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quinta-feira, 3 de abril de 2008
Veja o link:
http://mais.uol.com.br/view/299yq0eahs14/classe-media-essa-musica-nao-toca-no-radio--040262C4C11326
Jornalismo de Políticas Públicas Sociais
“Todo povo é tão ruim quanto a desigualdade que ele tolera”, afirmou o sociólogo Leonardo Mello –especialista em orçamento público e indicadores sociais, que se despediu nesta segunda do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas-Ibase, onde atuou desde 1991.
“O elemento chave é a desigualdade social, eu sou a favor da desigualdade, sou e sempre fui a favor, e tenho a impressão de que todo mundo é. A dificuldade é de entendermos de que desigualdade estamos falando e de que tipo”, ressaltou o sociólogo em sua palestra nesta segunda-feira, dia 31, ao abordar o tema A desigualdade social no Brasil e os processos de formulação das políticas públicas sociais compensatórias, na Disciplina e Curso de Extensão Jornalismo de Políticas Públicas Sociais, uma realização do Programa Acadêmico do Núcleo de Estudos Transdisciplinares de Comunicação e Consciência-NETCCON da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ, em parceria com a Agência de Notícias dos Direitos da Infância-ANDI.
Leonardo Mello parte do princípio de que a desigualdade no Brasil não permite que as pessoas vivam plenamente. Para ele, são fatores muito difíceis de medir a desigualdade e é preciso estar atento à mudança de paradigma entre a desigualdade baseada em um juízo de valor e uma atenção diferenciada por parte do Estado.
“O que me incomoda é a ausência dos direitos. A nossa desigualdade não é da tolerância, é da submissão e não do respeito. Este debate sobre a percepção da desigualdade e do que foge à norma, é um objeto de juízo de valor”, discute. E ainda acrescenta, “junto a isso, tem a nossa especificidade, pois a persistência e a brutalidade da desigualdade no Brasil atingem um grande número de pessoas que não têm direito a nada”.
O especialista se questiona: “Conseguimos perceber as desigualdades? Talvez a gente não se sinta igual o tempo todo”. Ele explica que ao longo da vida nós aprendemos a visualizar as desigualdades, porém “algumas nós toleramos e outras nós reprimimos”, e citou exemplos como a desigualdade de sexo entre homens e mulheres e de faixa etária.
E insiste: “Qual desigualdade é tolerável? Eu tenho a impressão de que durante a educação na nossa infância, nós fomos treinados a nos afastarmos das pessoas que são socialmente inferiores a nós e a nos aproximar a quem é socialmente superior”, isto de acordo com o sociólogo é onde ocorre a imposição de juízos de valor sobre a constatação da desigualdade. “Se alguém é assaltado no Leblon é notícia de capa no jornal, mas quem é assaltado no subúrbio não é notícia porque isso é normal”.
Leonardo Mello reconhece que há racismo no Brasil, “mas como é possível haver racismo num lugar onde supostamente não há racistas? Procure um no Brasil, é difícil. O ‘você sabe com que está falando’ é outra forma de interagir com a desigualdade”. Ele citou ainda a questão da diferença de renda no debate sobre a pobreza. Um dos indicadores para falar de desigualdade é a renda, tenta-se medir a desigualdade calculando o quanto ganham os 10% que recebem mais, e os 40% mais pobres – esta medida seria universal e comparável a outras sociedades capitalistas. “O Brasil é o campeão das desigualdades, mas nós temos instituições que medem com indicadores, avaliam e comparam os resultados com outros países. Certamente, há países africanos com mais desigualdade que o Brasil, mas não há ninguém para medir”, disse.
O sociólogo trouxe também informações sobre estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada-IPEA que mostram que 30% da população brasileira é tida como pobre. Como explicar a persistência de dados tão ruins da nossa realidade social? E ainda critica, “a desigualdade social no Brasil se manifesta em muitas esferas ao mesmo tempo, no acesso ao saneamento, no nível de escolaridade e na qualidade do ensino. Isso nos leva a máxima de que no Brasil não basta ser pobre, mas tem que sofrer. Em todas as esferas de nossa vida é tudo um pouco piorado quando se é mais pobre, ou quando se é mais desigual”.
Os dados sobre desigualdades são abundantes, segundo Mello, “o meu ponto exato é a percepção da desigualdade que é aceitável, nós não temos interesse na realidade social”. Para ele, as políticas públicas são processos, há pouco tempo algumas agendas políticas eram menosprezadas a exemplo da população negra, do portador de deficiência, das questões que envolvem o meio-ambiente.
“Falta um meio-termo quando a gente discute a desigualdade, ou encara-se todo mundo igual, ou transforma-se tudo em gueto”. Ele se pergunta: “que dispositivos nos levam a nos interessarmos pelas desigualdades e pela formulação de políticas públicas compensatórias? Na hora que a sociedade desperta para o tema, é a hora que as políticas públicas são formuladas. Nós temos a percepção de quando a gente discute desigualdade, estamos discutindo pessoas que não são normais. Gostamos de nos ver enquanto norma, e reprimir os que têm um comportamento desviante”.
Mas para o pesquisador, o perigoso é achar que o outro está sempre à margem. “A nossa desigualdade não é da tolerância e do respeito aos direitos, é da submissão. A questão é olhar o outro como se olhássemos a nós mesmos”, ressaltou.
A democracia, considerou Leonardo Mello, é fruto do diálogo e não da força, e o diálogo é baseado em argumentos. “O que importa para mim é a formação deste olhar, a igualdade e o respeito às diferenças”. E para o jornalista é importante ter argumentos e a percepção dos fatos, “aonde tem um fato relevante para ser apurado, aonde você toca as pessoas, isto é a percepção pública”. Para Mello, o essencial é apurar bem, contextualizar e produzir argumentos.
Uma forma de falar em políticas públicas é discutir orçamento público. Este é o tema da palestra que Leonardo Mello dará na Disciplina e Curso de Extensão de Jornalismo de Políticas Públicas Sociais do NETCCON e da ANDI, em Orçamento nacional: As possibilidades de intervenção e orientação para o social, no dia 28 de abril no auditório da Central de Produção Multimídia da Escola de Comunicação da UFRJ.
O orçamento público, adiantou o sociólogo, é uma lei autorizativa, isto é, “ela autoriza a pôr em prática um projeto e não obriga, como seria no caso de uma lei mandatória. Nos EUA, por exemplo, o orçamento público é mandatório, lá você tem que fazer”, explicou. O orçamento público ainda é uma política pré-pública, e a sociedade não tem sensibilidade para participar do processo de formulação de políticas públicas. Mello citou o sociólogo e também ativista dos direitos humanos Betinho, fundador do Ibase, ao fazer a provocação para o público de 80 pessoas presentes em sua palestra, que “se a educação é prioridade e não gastarmos na educação, isso é demagogia”.
Para Leonardo, o mercado tem como função promover a desigualdade pois é movido pela lógica da produção do lucro. “Mas essa não deveria ser a função do Estado. O Estado não pode promover a desigualdade, ele foi apropriado por setores que promovem a desigualdade no setor público. Aí não funciona mesmo. Existem exemplos de desigualdades de baixo de nossos narizes, como o grande número de assassinatos em favelas, as desigualdades no acesso à cultura. O que me incomoda é a apropriação de dinheiro público”, considerou.
Por que então pensar em políticas públicas compensatórias? Mello responde: “primeiro pelo grau de desigualdade que a nossa sociedade vive, não é razoável nem em renda, nem em salário ou em educação. Se as empresas promovem as desigualdades, está tudo bem. O Estado é que não pode fazer isso. Quando ele não coloca o dinheiro no lugar mais adequado e pensa qual política é mais ou menos compensatória. O problema da questão da desigualdade é que não há compensação. A política compensatória é função precípua do Estado. O conceito de público é para todo mundo, universal, mas não há dinheiro para fazer para todos, então, política pública é tudo que atende a todos”.
Mestrando em Estatística pela Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence), com especialização na Lyndon Johnson School of Public Affairs da Universidade do Texas em Austin, e graduação em sociologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Leonardo Mello está desde 1991 no Ibase e, atualmente, trabalha na área de metodologia de pesquisas e indicadores.
Esta disciplina, oferecida aos alunos da Universidade e à Sociedade em geral, é resultado do convênio entre o Programa Acadêmico do Núcleo de Estudos Transdisciplinares de Comunicação e Consciência-NETCCON/ECO/UFRJ, coordenado pelo Prof. Evandro Vieira Ouriques, e a Agência de Notícias dos Direitos da Infância-ANDI.
O Programa Acadêmico do NETCCON dedica-se às relações entre a mídia, a ética e a não-violência (no sentido de luta sem violência), tendo em vista o vigor da experiência de comunicação, da auto-construção da cidadania e da responsabilidade socioambiental na Mídia, na Política e nas organizações. Neste sentido o NETCCON criou e vem oferecendo há três anos consecutivos também a disciplina Construção de Estados Mentais Não-violentos na Mídia.
O Programa Acadêmico do NETCCON visa: Prover a Sociedade, sob a perspectiva das Ciências da Comunicação, com estudos e metodologias de prevenção e superação da violência, que contribuam para o salto de qualidade: (1) na cobertura midiática das Políticas Sociais e em sua gestão pública; (2) nas políticas e estratégias de Comunicação para a Responsabilidade Socioambiental; e (3) no padrão ético ("voz própria" e "vínculo") do trabalho de presença e colaboração nas Redes e Organizações. O NETCCON criou e oferece também a disciplina Comunicação, Construção de Estados Mentais e Não-violência, e está criando a disciplina Comunicação e Responsabilidade Socioambiental. Maiores informações sobre o NETCCON podem ser obtidas através de evouriques@terra.com.br.
Conheça mais sobre a disciplina aqui:
http://informacao.andi.org.br:8080/relAcademicas/site/visualizarConteudo.do?metodo=visualizarUniversidade&codigo=6
Palestras a serem realizadas em 2008/1:
Semana 5 (07/04): Lições Africanas para a Igualdade na Diversidade Humana: a questão da não-violência.
Palestrantes: Mãe Beata de Iemanjá, Conceição Evaristo e Prof Evandro Vieira Ouriques.
Semana 6 (14/04): O Paradigma do Desenvolvimento Humano como orientador da cobertura.
Palestrante: Flavia Oliveira (O Globo)
Semana 7 (28/04): Orçamento nacional: As possibilidades de intervenção e orientação para o social.
Palestrante: Leonardo Mello (IBASE)
Semana 8 (05/05): O desafio de aumentar a presença das políticas públicas na grande imprensa.
Palestrante: Bia Barbosa (Intervozes)
Semana 9 (12/05): A cobertura das políticas públicas na área da Educação no Brasil.
Palestrante: Antônio Góis (Folha de S. Paulo)
Semana 10 (19/05): Cobertura de qualidade em meio à violência estrutural: A força política da não-violência e a responsabilidade dos atores sociais e dos jornalistas.
Palestrante: Prof. Evandro Vieira Ouriques (NETCCON.ECO.UFRJ, NEF.PUC.SP)
Semana 11 (26/05): A Questão das Políticas Públicas Sociais e a Mídia Contra-hegemônica.
Palestrante: Paulo Lima (Viração)
Semana 12 (02/06): A Comunicação criada pela Periferia no Rio de Janeiro.
Palestrante: Prof. Augusto Gazir (Observatório de Favelas e ECO.UFRJ)
Semana 13 (09/06): O paradigma dos Direitos da Criança e do Adolescente: A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Palestrante: Wanderlino Nogueira Neto (ABONG)
Semana 14 (16/06): A Mídia e a Questão das Políticas Públicas Sociais no Brasil.
Palestrante: Guilherme Canela (ANDI)
Semana 15 (23/06): O Paradigma da Diversidade Cultural.
Palestrante: Profa. Sílvia Ramos (CESEC)
Semana 16 (30/06): Jornalismo prospectivo e o futuro das políticas públicas sociais como pauta.
Palestrante: Rosa Alegria (NEF-PUC/SP, NETCCON.ECO.UFRJ, Millennium/UNU)
Palestras já realizadas em 2008/1:
Semana 1 (10/03): Interesse, Poder e Dádiva: a questão do domínio dos estados mentais e da generosidade na positivização da rede de comunicadores-cidadãos.
Palestrante: Prof. Evandro Vieira Ouriques (NETCCON.ECO.UFRJ, NEF.PUC.SP)
Semana 2 (17/03): A Violência que Acusa a Violência: a degradação de Si e do Outro através da Mídia.
Palestrante: Prof. Michel Misse (NECVU.IFCS.UFRJ)
Semana 3 (24/03): A Abordagem de Temas Sociais junto a Públicos Não-iniciados: o Caso dos Jornais de Grande Circulação e Distribuição Gratuita.
Palestrante: Prof. José Coelho Sobrinho (USP)
Fabíola Ortiz