quinta-feira, 15 de novembro de 2007

SÉRIE: entrevistas

Essa semana a pedido de um jornalista em Brasília, editor do site Inforel.org, escrevi sobre o jornalismo e a profissão de jornalista. Isso me deu uma idéia, resolvi entrevistar alguns jornalistas e um aspirante à carreira para saber um pouco mais do que eles pensavam sobre o próprio ofício.

Confesso que foi corrido, mas em poucos dias consegui entrevistar pessoalmente a diretora da Radiobrás aqui no Rio, Edna Dantas, um professor de jornalismo de uma universidade, Paulo Cezar Guimarães e um aluno que está prestes a se formar na Escola de Comunicação, Raphael Ferreira de 22 anos.

Além disso, consegui por email algumas opiniões do ex-chefe da agência internacional de notícias Efe aqui no Brasil, Eduardo Plastino. Tentei insistentemente entrar em contato com a jornalista uruguaia Beatriz Bissio do Cadernos do Terceiro Mundo, que me disse estar fora do Rio de Janeiro (pretendo ainda entrar em contato com ela, gostaria muito de saber a sua opinião sobre a profissão).

Para complementar a matéria, resgatei uma entrevista que o jornalista português ex-correspondente da RTP, Carlos Fino, deu para um grupo de estudantes em um curso em São Paulo, além de utilizar uma matéria feita por mim mesma com a diretora da Escola de Comunicação da UFRJ, Ivana Bentes, na época que eu estagiava na Agência de Notícias da própria universidade para o boletim online Olhar Virtual.

Ao escrever a matéria, até por questão de espaço, tive que reduzir e deixar de lado muitas questões abordadas pelos entrevistados.

Com toda essa introdução, resolvi publicar aos poucos as entrevistas que eu consegui fazer tentando aproveitar todos as questões e críticas apontadas pelos entrevistados.

Para abrir a "série", antes mesmo de colocar a primeira entrevista, pensei em publicar um trabalho que fiz para a faculdade em 2005 para a disciplina Técnica de Reportagem. O desafio era escrever o perfil de um jornalista. Escolhi escrever sobre a jornalista que havia pouco conhecera, Carla Mendes, correspondente internacional para a agência de notícias portuguesa, LUSA.

Acho que vale colocar aqui.

Perfil de uma jornalista

Niterói, 10.30hs – hora marcada para a entrevista. Carla Mendes, jornalista formada na Universidade Federal de Minas Gerais, final dos anos 60 e início dos anos 70, já estava à espera no local combinado, na piscina de um prédio residencial no bairro de Ingá.

E lá estava realizando práticas de meditação e lium kung. Ao fundo, uma musiquinha oriental, bem relaxante. “Já estou quase terminando”, corta o silêncio e continua com seus movimentos leves por mais vinte minutos.

Mora em Brasília e trabalha como correspondente para a Agência Internacional de Notícias Portuguesa, LUSA, há mais de cinco anos. Só no Brasil inteiro são dois os jornalistas incumbidos de cobrir para a LUSA, ela é um deles.

Vestindo um short da cor preta e deixando à mostra a parte de cima do biquini da mesma cor, senta-se na mesa ao lado da piscina. “Vamos começar” diz, aprontando-se para a conversa. Em um domingo de sol como este, não esquece o protetor solar, os óculos escuros e o boné. Anda a tiracolo com uma bolsinha de mão contendo um celular, um livro e um caderninho de anotações, imprescindível mesmo para as horas de descanso.

“Na minha época de faculdade tive muitas dúvidas entre Comunicação e Psicologia, cheguei até a pedir transferência de curso, mas meus professores não deixaram”. Tendo saído de casa aos dezoito anos, decidiu ser independente. “Fui morar sozinha, eu queria batalhar a minha vida, não depender de ninguém”.

E foi assim que Carla viveu mesmo antes de formada. Autonomia era seu estilo de vida e independência seu principal objetivo. Estagiou na Associação Brasileira de Odontologia (ABO) e na TV Alterosa (da rede do SBT) como produtora de um programa de entrevista.

“Logo quando eu me formei, comecei a fazer o meu currículo. Não tinha nada nele”, conta que saiu entregando o currículo para os diretores de TV. “Eu era muito convicta na minha profissão, eu sabia que era isso mesmo que eu queria”. Num momento retrospectivo disse: “um grande amigo meu hoje em dia, que já foi meu chefe na época de recém-formada até chegou a dizer ‘nossa, você não tinha nada no seu currículo, mas você falava com tanta convicção que até eu acreditava’”.

Trabalhando para a TV Manchete, um episódio marcante em sua vida foi durante a cobertura das eleições no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) em Minas Gerais. “Não sei como foi exatamente, mas acabei entrando numa salinha onde a Globo tinha armado todo um esquema para a contagem de votos”. Toda a informação de lá saia diretamente para a emissora. “Eu tinha um radinho de pilha só para ouvir e acabei entrando na salinha e comecei a ouvir toda a conversa, e o que eles falavam em voz alta. Mandei tudo para a Manchete antes mesmo da Globo lançar a informação.Você não acredita, eu ia para o banheiro, ficava escondida e contava tudo por telefone. Quando o diretor da Globo descobriu, ficou uma fera: ‘quem é que está boicotando as minhas informações?’. No futuro, anos depois, Carla trabalharia com ele na Globo. “O pior que ele me reconheceu... nem eu lembrava mais daquele episódio... ‘como é que eu ia me esquecer de você com aquele radinho de pilha’, ele brincava”.

Esse evento lhe rendeu a contratação como produtora na TV Manchete. Durante três meses Carla trabalhou na produção e passou mais dois anos na reportagem. “A minha área sempre foi mais televisão”.

“Na Globo foi uma passagem rápida, fui convidada para substituir a repórter do Jornal Nacional”, conta que foi no ano de 1985, “nessa época eu queria mesmo era ir para a Europa”.

Sua aventura na Europa começou em 1986 em Portugal, 88 na Itália e 89 na Alemanha. Saiu do Brasil como correspondente da Rádio Alvorada e penou para conseguir algum trabalho na imprensa européia. “Eu tinha uma cara-de-pau como todo jornalista, ‘Boa tarde, meu nome é Carla Mendes...’. Eu ia na cara e na coragem. Fui mandando matérias com o meu currículo para vários jornais da Europa.”

Em Portugal trabalhou na área de Assessoria de Imprensa para uma agência de publicidade. A Itália foi um breve capítulo em sua trajetória, “prefiro não comentar, foi uma experiência pessoal muito ruim na minha vida”. Carla ajeita-se na cadeira e respira fundo.

Seguiu para a Alemanha com o namorado alemão também jornalista. Ela o conhecera em Portugal. “Eu não sabia nada da Alemanha, mas não agüentava mais Portugal, eu queria desafio”.

“Em 1989 peguei a queda do Muro de Berlim”. A sua chegada na Alemanha foi um tanto quanto conturbada. Roubaram todas as suas coisas em Hamburgo. “Perdi tudo, todo o meu passado, meus livros, minha história, todas as minhas matérias publicadas, os contatos e referências que eu tinha do mundo inteiro. Foi horrível”, lamentou-se.

Foi um momento de profunda solidão, um mergulho em si mesma. “Eu me descobri lá. Antes eu era uma Carla, depois da Alemanha eu virei outra. Foi muita dor, muito sofrimento, era o fundo do poço, ou você conseguia sobreviver e se fortalecer ou você afundava”.

Carla conta que depois de haver chorado todas as suas mágoas, “peguei uma garrafa de champagne, fui para o Brandenburg Tor comemorar o reveillon e celebrar a queda do muro”. Para ela, uma experiência inesquecível. “Cobri toda a queda do Muro e o processo de reunificação política da Alemanha para a imprensa portuguesa O Jornal”.

Foi um marco histórico em sua vida. “Era uma multidão, podia ter acontecido um grande massacre. Era gente querendo atravessar o muro de um lado para o outro: gente de Berlim Ocidental querendo ver como era o lado Oriental e vice e versa. Nós vimos a bandeira da RDA sendo arriada, um momento muito emocionante”.

Para ela foram experiências inéditas, “é muito interessante conhecer o outro lado, como se estivéssemos vendo uma ‘carroça’ o atrasado em relação ao supérfluo. O capitalismo foi um movimento de invasão tão grande, que eu questiono isso: foi quase um estupro”.

Diz que o que lhe marcou na lembrança foi conhecer um pouco a história do muro, o reencontro das famílias, muitas mortes, pessoas tomando conhecimento de familiares mortos, o choque cultural. “O muro caiu, mas até hoje existe um muro invisível”.

Sua estadia na Alemanha terminou em 1994, “depois o país já estava reunificado, e eu não tinha mais nada para fazer lá”.

Voltou para o Brasil e para a TV Manchete como editora. Suas aventuras não pararam por aí: trabalhou durante um ano na TV Assembléia na parte de edição. “Era muito trabalho, muito estresse e não havia condições. A produção era tão ruim que acabei montando uma nova produção. Eu fazia de tudo lá, fui âncora, editora, fazia edição final, dirigia debates, mil coisas”.

Depois transferiu-se para o Canal 23, um canal da TV a cabo local, como chefia de redação. “Não era fácil, tinha muita gente nova, e para coordenar todo mundo era uma loucura”.

Fez até campanha política para um candidato do PSB no estado de Minas. “Foi uma experiência diferente. Era tanto programa que não tinha ninguém para fechar, a estrutura era muito pequena para a carga de trabalho”. Carla pode conhecer mais as entranhas da política, os jogos de chantagens, “a sujeirada toda”.

Está na LUSA desde 2000. “Antes a LUSA tinha uma estrutura maior. A agência tinha um projeto muito interessante para o Brasil, mas não conseguiu manter o projeto inicial, "megalômano". A LUSA acabou reduzir a equipe toda limitando-se apenas a dois jornalistas, um em São Paulo e outro em Brasília, cada um trabalha em casa”.

Carla fala sobre a carreira de jornalismo: “é uma profissão muito difícil, em geral mal-remunerada. Mas é profundamente desafiadora. Você abre a cabeça e aprende a lidar com diversas realidades. Um dia você pode estar conversando com uma autoridade, um prefeito, e no dia seguinte, com um morador sem-teto da mesma maneira de agir e falar. É uma carreira difícil, é muito estresse... como eu batalhei...”.

Finaliza o encontro encorajando aos estudantes que pretendem seguir a carreira de jornalista: “Dou muito valor àqueles jornalistas recém formados ou estagiários que vêm se apresentar com o currículo na mão, sem indicação de ninguém, na cara e na coragem. Já tive que selecionar currículos e sempre deixei de lado aqueles que tinham indicação de deputado, autoridades... Porque foi assim que eu fiz, eu não conhecia ninguém, e foi desse jeito que eu batalhei”.



Fabíola Ortiz, 2005.

A pauta do dia: aquecimento/esquecimento global e degradação ambiental

E com vocês... mais um pouco de meio ambiente: A sustentabilidade no jornalismo


Essa semana na disciplina de Jornalismo de Políticas Públicas na Escola de Comunicação da UFRJ que é realizado em parceria com a ANDI (Agência de Notícias dos Direitos da Infância), o convidado para falar foi o jornalista André Trigueiro para tratar sobre a temática do jornalismo ambiental e a sustentabilidade.

Atualmente André Trigueiro apresenta o Jornal das 10 na Globonews, criou o programa semanal "Cidades e Soluções", e aos sábados apresenta o programa na rádio CBN "Mundo Sustentável" - também título de seu livro lançado em 2005.

A primeira crítica que Trigueiro fez foi em relação a criação de uma editoria especial para Jornalismo Ambiental. Nesse sentido, Trigueiro é incisivo: seria muito pobre fazer uma segmentação da realidade.

Para ele, todas as editorias deveriam conter a sustentabildade como tema que perpassa as pautas e os assuntos abordados. Desde os impactos econômicos sobre o desenvolvimentos, ou a questão política do Protocolo de Kyoto que prevê a redução de emissões de CO2 em 5,2%, em relação aos níveis de 1990 para o período que vai 2008 a 2012. Até o momento, 23 países, incluindo Bolívia, Equador, El Salvador e Nicarágua, já ratificaram o protocolo, e outros 84 países, entre eles os Estados Unidos, somente o assinaram.

Os assuntos ambientais estão presentes em todas as editorias. Trigueiro estabelece que em vez de jornalistas ambientais , é mais interessante e imprescindível formar jornalistas que tenham uma visão mais sistêmica sobre omundo.

Ele não descarta o lead como uma ferramenta necessária para promover a tão buscada objetividade no jornalismo. Mas para o jornalista, não se pode perder a perspectiva de enxergar outros aspectos também relevantes de uma pauta. Em parte, até concordo com ele. O "lide" não precisa ser encarado para limitar, restringir e enquadrar a matéria. Muita coisa diferente pode ser feita, e o lide pode até contribuir na estruturação da matéria.

O jornalismo é imediatista, está sempre atrelado à velocidade e ao tempo. Trigueiro reconhece que pela questão da rapidez de dar a notícia, "às vezes a gente não tem tempo de enxergar sistemicamente".

Algo interessante em sua fala, foi que ser jornalista no Brasil é completamente diferente do que ser em qualquer outro lugar do mundo. O Brasil é o país com a maior reserva de água doce do mundo, tem a maior floresta tropical no planeta, preserva o maior patrimônio de biodiversidade, além de ter a maior quantidade de solo fértil do mundo (sem nem levar em conta as áreas protegidas).

Para ele, ser jornalista interessado no meio ambiente no Brasil significa saber resgatar o valor desse tesouro de forma sustentável. Não só isso, entre outras críticas está a carência de discussão na mídia entre os conceitos de crescimento e desenvolvimento, que muitas vezes são empregados na imprensa sem critério e distinção. A sustentabilidade deve ser uma discussão que permeia o debate do desenvolvimento e crescimento do país.

Trigueiro faz uma rápida distinção: o crescimento engloba números, dados, estatísticas (por exemplo, o PIB de um país que não necessariamente expresa de forma qualitativa a situação). Já o desenvolvimento é a qulaidade do número, a compreensão nos seus mais variados aspectos e não apenas econômico.

Vale aqui caracterizar a forma não sustentável de se utilizar dos recursos mundiais do planeta Terra: retirar algo que não seja reposto a tempo. A forma nao sustentável de exploração dos recursos naturais se dá quando ela é superior à capacidade de recomposição, isto é, a capacidade de suporte e de resiliência (recuperação).

Trigueiro apresenta alguns dados do Banco Mundial em que as 25 cidades mais poluídas do mundo, mais de 10 delas são chinesas, entre elas uma é Pequim - a mesma cidade que vai sediar as Olimpíadas de 2008. No caso da China, a cada 2 dias acontece um desastre ambiental - entre chuvas ácidas e a redução do nível do lençol freático que já diminuiu cerca de 60 metros.

No auge de sua discussão, Trigueiro solta uma pérola: "o jornalismo ambiental é subversivo e incomoda os interesses econômicos de muita gente". É verdade.

Aproximando à realidade brasileira: a recente descoberta monumental de reserva de petróleo. Em tempos de aquecimento global, a queima de combustível fóssil vai na contramão de um esforço global na diminuição dos índices de emissão de CO2. O custo ambiental do petróleo é muito grande.

O jornalista apresenta uma tendência futura (mas bem próxima) de tipificar o preço do petróleo de acordo com o custo ambiental. Isto é, os preços de cada produto ou serviço vão variar de acordo com o desgaste ambiental. O consumidor vai passar a ter a necessidade de ser informado quais produtos gastam mais CO2 para que o próprio consumidor/cidadão possa fazer a sua escolha. Ou seja, o preço vai internalizar o custo que o Estado e a sociedade vão ter para produzir certos produtos.

"O que será o mundo daqui a 8 anos?" - se pergunta Trigueiro.

Atualmente, a Petrobrás investe cerca de 1,5% em energia renováveis como - solar, eólica, biomassa, biodiesel, álcool - o que ele considera muito pouco. A empresa deve ter um comprometimento em investir mais em fontes de energia renovável.

E quanto aos jornalistas, Trigueiro também não deixa passar: "somos analfabetos ambientais, ainda não estamos preparados para investigar aquilo que não está no realease". Para ele, é imprescindível questionar e duvidar, o que muitos jornalistas não fazem e aceitam o que está nas propostas de pauta de assessorias de imprensa. É preciso estrapolar o limite da pauta oferecido pelo editor.

Não basta só informar: é preciso que a informação remeta a uma nova atitude. Não vale apenas compartilhar informação, tem que transformar. Trigueiro destaca a urgência de transformação: "e não basta mudar, tem que mudar logo".

É uma questão de consciência: não pela disponibilidade de recursos e sim quanto à gestão desses recursos. Esse é um momento único na humanidade. O jornalista alerta para a emergência da crise ambiental sem precedência. Segundo dados da WWF ( World Wildlife Fund/Fundo Mundial para a Natureza), 20% da humanidade utiliza 80% dos recursos. O planeta Terra está operando em um déficit de 25% de sua capacidade de suporte.

"Nós não somos sustentáveis, o tempo urge, nós precisamos nos reeducar", afirma Trigueiro. Os ecossitemas naturais do planeta não são inesgotáveis, e uma vez atingido, afetado, ele não consegue se restabelecer e voltar ao normal.

"O aquecimento global é um tema complicado de tratar na imprensa. Não importa o que fazemos hoje só vai se percebido em não menos de 100 anos, o resultado será visto por outras pessoas", diz.

Para tratar o tema na imprensa, Trigueiro dá a dica: é preciso utilizar o bom senso e não ser alarmista e indicar possibilidades, formas de reverter o processo, e a mudança deve ser feita já.

"É preciso ter calibragem na hora de tratar o assunto, isso não é pessimismo, é realismo. Vivemos numa cidade ignorando o impacto causado pleo nosso estilo de vida", ele defende um exercício e uma reeducação para a responsabilidade cidadã, principalmente no que se refere ao consumismo - ostentar onde há escassez, a maioria das pessoas não têm nem o básico para sobrevier. Trigueiro é crítico feroz e contrário ao consumismo compulsivo.

Fabíola Ortiz


Veja mais alguns sites:

http://www.wwf.org.br/index.cfm

http://www.mundosustentavel.com.br/