quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Mais uma hidrelétrica na Amazônia tem suas obras suspensas

 
Por Fabíola Ortiz

RIO DE JANEIRO – Mais uma hidrelétrica na Amazônia tem suas obras suspensas por determinação da justiça, desta vez a construção da usina de Teles Pires no rio de mesmo nome afluente do rio Tapajós, na divisa dos estados do Pará e Mato Grosso, foi alvo de investigação de irregularidades apontadas pelo Ministério Público como a falta de consulta prévia aos povos indígenas que serão afetados pelo projeto.
O Tribunal Regional Federal da 1° Região determinou, na última semana, a paralisação imediata das obras de Teles Pires. O mesmo empreendimento já teve as obras suspensas no fim de março deste ano a pedido do Ministério Público Federal (MPF) no Pará e em Mato Grosso que invalidaram a licença de instalação concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em agosto de 2011.
Caso a determinação seja descumprida, o consórcio Teles Pires Energia Eficiente, vencedor do leilão de 2010 da Agência Nacional de Energia Elétrica, está sujeito a uma multa diária de 100 mil reais (49 mil dólares).
O relator do processo, o desembargador Souza Prudente, determinou a paralisação da construção da usina especialmente a suspensão das explosões das rochas naturais do Salto em Sete Quedas, um cenário ambiental situado em pleno bioma amazônico onde existe o “Avatar do intocável Mágico Criador” da cultura ecológica dos povos indígenas Kayabi, Munduruku e Apiaká que habitam a área.
Para o magistrado, a licença obtida pelo consórcio para a construção da usina é “inválida” por ter sido concedida em “desconformidade” com a legislação ambiental. Os autos, segundo Souza Prudente, demonstram que as comunidades indígenas que residem no local não foram regularmente ouvidas.
Esta que seria a quarta maior hidrelétrica do Brasil, com capacidade para gerar 1.820 megawatts, acabou sendo barrada ao entrar em choque com crenças, costumes e tradições indígenas que estão seriamente ameaçadas.
“No caso concreto, os efeitos causados pela construção da usina são irreversíveis. Se a tutela não for concedida, não há como salvar o meio ambiente", afirmou o relator do caso em resposta ao recurso da companhia hidrelétrica Teles Pires, que garante que “todas as audiências públicas foram realizadas na presença dos interessados e gravadas”, segundo a nota divulgada pela justiça.
Inserida no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), iniciado no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a usina Teles Pires tem previsão de ser concluída até agosto de 2015 a um custo estimado de 4 bilhões de reais (1.97 bilhão de dólares) e uma área de inundação de 95 quilômetros quadrados.
Segundo a empresa, o empreendimento terá capacidade para abastecer uma população de 2,7 milhões de famílias.
Segundo disse Alessandra Cardoso, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), é difícil medir a destruição do Salto em Sete Quedas necessário para a construção da Teles Pires, assim como o “valor cultural ancestral para o povo indígena que habita a região e que transcende a lógica do cálculo racional e científico”.
Cardoso põe em xeque ainda a dificuldade de mensurar as “consequências socioambientais de milhares de migrantes que vão para a região onde será instalada uma grande obra e quais impactos este desarranjo territorial provocará em regiões de floresta densa, de altíssima concentração de biodiversidade, mantidas assim por conta da ocupação dispersa e ambientalmente amigável de populações tradicionais”.
Tais questões, aponta Cardoso, limitam a capacidade de o licenciamento ambiental dar conta com uma “avaliação realista dos custos” e dos impactos gerados pelas hidrelétricas na Amazônia.
Cardoso que coordena o Observatório de Investimentos na Amazônia elaborou, em julho, o estudo ‘A Corrida por Megawatts: 30 hidrelétricas na Amazônia Legal’, e indicou a “urgência” da ampliação do debate na sociedade.
A determinação do governo federal em construir hidrelétricas na Amazônia a qualquer custo e em claro desrespeito à legislação brasileira tem levado a uma guerra judicial pela paralisação das obras”, disse.
A falta de escuta adequada aos povos indígenas afetados, além de estudos de impacto ambiental deficientes, assim como o descumprimento das condicionantes e dos programas socioambientais previstos e acordados no licenciamento, são alguns do impasses, cita Cardoso.
“Teles Pires questiona, entre outras coisas, que os povos indígenas impactados pela obra não foram escutados e que os programas socioambientais previstos no licenciamento não estão sendo cumpridos”, comentou.
Questionada se o Brasil precisa construir usinas na Amazônia para garantir a sua sustentabilidade energética, Cardoso pondera que tais investimentos em hidrelétricas na floresta, como Belo Monte, Jirau, Santo Antônio e São Luiz do Tapajós, “não estão considerando os reais custos ambientais e sociais das obras”.
Trata-se, de acordo com a especialista do INESC, de uma “grande farsa dizer que o licenciamento irá dar conta de avaliar e cobrar estes custos”.
Para “piorar este quadro”, argumenta, o Estado brasileiro está reduzindo os custos das obras a fim de antecipá-las e incluindo artigos no Código Florestal “para reduzir a obrigatoriedade de compensar áreas de proteção inundadas pelas barragens”.
Para Cardoso, devem ser avaliadas com muita cautela a “complexidade das dimensões” e dos impactos envolvidos na construção de usinas em regiões da Amazônia, que são áreas de grande biodiversidade, forte presença de povos indígenas e populações tradicionais e de “ausência de equipamentos e serviços públicos adequados, o que aumenta ainda mais a lacuna de acesso a direitos básicos como saúde, alimentação, educação, saneamento e habitação”.
O engenheiro do Programa de Planejamento Energético da Coppe da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Neilton da Silva, pondera que o Brasil não “deve abrir mão de seu potencial hídrico”, mas contrapõe que este potencial deve ser feito de “uma forma mais amigável”.
“O Brasil se destaca no mundo porque é uma matriz de geração elétrica com quase 90% de participação hídrica que é limpa de emissão de gases de efeito estufa. O Brasil tem um diferencial natural que não dá para abrir mão”.
Para Silva, em entrevista, uma hidrelétrica é uma “atividade que prejudica poucos e ajuda a muitos”.
“Não existe produção de energia sem impactos. A questão da hidroeletricidade é ajustar os interesses do desenvolvimento da expansão energética com as demandas locais e não fazer como antes era feito. Muitas usinas foram construídas no regime militar. Hoje, as questões ambientais são muitas e devem ser discutidas”, assinalou.