segunda-feira, 28 de abril de 2008

Jornalismo de Políticas Públicas Sociais, NETCCON.ECO.UFRJ:

Flávia Oliveira trata de Desenvolvimento Humano e afirma que o jornalista pode mudar sua atitude e deixar de responsabilizar apenas as empresas pela situação

Para Flávia Oliveira, repórter e colunista do jornal O Globo, o jornalista precisa deixar de ser acomodado e mudar a sua atitude para que o jornalismo possa ganhar em qualidade: “há muita coisa que o jornalista pode fazer independentemente das empresas em que trabalha. Por exemplo, ao invés de apurar uma pauta no Centro ou no máximo na Central do Brasil, ele pode ir até Madureira, até Caxias, que o chefe não vai impedir. Da mesma forma ele pode passar a buscar novas fontes, outros nomes, pois ouvir sempre as mesmas pessoas falando sobre as mesmas coisas não abre novos horizontes”.

A experimentada jornalista foi insistente sobre a autonomia relativa do jornalista em sua palestra sobre O Paradigma do Desenvolvimento Humano como orientador da cobertura, na qual tratou do Índice de Desenvolvimento Humano –IDH– como um indicador importante, porém limitado, pois não provê dados aprofundados e tampouco resolve as demandas e contradições de um país, ele apenas revela alguns aspectos sociais.

“Vejamos o caso de Caxias tornar-se um dos maiores PIB’s brasileiros e da eleição de Rosinha Garotinho. Fomos todos surpreendidos, inclusive eu. Por que? Porque achamos que o Rio de Janeiro começa na Tijuca e acaba no Barra. Falamos conosco mesmos o tempo todo, com as mesmas fontes e a partir destas conversas generalizamos como se o Rio de Janeiro, o Brasil e o mundo fossem esta geografia limitada, na qual a maioria dos jornalistas nasceu, cresceu, cresce e vive.”

Para ela, sair desta limitação não depende da empresa ou do chefe. Basta o jornalista decidir mudar as suas referências, ao invés de responsabilizar os outros. Outro ponto tratado por Flávia foi o desejo das organizações sociais de estarem na grande mídia: “o importante é que elas façam seu trabalho e ocupem os imensos espaços existentes nas redes que muitas vezes não aparecem na grande imprensa e que nem por isto deixam de ser atuantes e decisivas, muito pelo contrário”.

Este foi o sexto encontro da Disciplina e Curso de Extensão Jornalismo de Políticas Públicas Sociais, uma realização do Programa Acadêmico do Núcleo de Estudos Transdisciplinares de Comunicação e Consciência-NETCCON da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ, em parceria com a Agência de Notícias dos Direitos da Infância-ANDI.

A idéia de Desenvolvimento Humano surge da constatação de que o avanço de uma população não se restringe à dimensão econômica e sim a partir de características sociais, culturais e políticas que influenciam a vida humana”, afirmou Flávia Oliveira, jornalista especializada em economia, que realiza há dez anos coberturas jornalísticas sobre temáticas de desenvolvimento humano.

Inicialmente, em sua fala, a jornalista fez um aporte conceitual sobre o surgimento do IDH como indicador universal. Criado em 1990 por economistas, o paquistanês Mahbud ul Haq, e o indiano Amartya Senindiano, o IDH é resultado de uma equação que mistura três variáveis: renda per capita, esperança de vida ao nascer e escolaridade, traduzida pelas taxas de analfabetismo e de matrícula. O valor numérico é expresso em um resultado que varia de zero a um, sendo que quanto mais próximo a um, indica um maior índice de desenvolvimento humano.

De acordo com Flávia Oliveira, o conceito de IDH favorece uma possível comparação entre países. Antes a única ferramenta utilizada era o PIB –Produto Interno Bruto– que expressa apenas uma dimensão econômica, a soma em valores monetários de todos os bens e serviços finais produzidos em um país e não inclui a condição da qualidade de vida.

O consumo no Brasil

“Quando a gente fala do PIB, ele representa como foi a produção de riqueza num ano. Isso não necessariamente é garantia de desenvolvimento no futuro, pode não ser. São investimentos que podem melhorar a qualidade ou não da economia”, afirmou ao considerar que o PIB não entra necessariamente no aspecto da qualidade do desenvolvimento.

Em 2007, o PIB do Brasil cresceu 5%, “a gente vive um momento de grande atividade e vibração econômica”, disse, mas acrescenta que este crescimento brasileiro foi fortemente baseado em consumo, aproximadamente dois terços. “A gente tem uma grande demanda reprimida, mas não pode dar as costas para a ausência de serviço e acesso aos bens, o consumo acaba sendo bem vindo”, argumentou.

O Brasil no Desenvolvimento Humano

Calculado em 177 países, o IDH é um índice muito básico, argumenta Flávia Oliveira, pois usa indicadores existentes em países com realidades muito diferentes. “A renda per capita expressa o potencial de riqueza do indivíduo no país, já a esperança de vida tem a ver com a saúde e melhores condições de vida. Há países da África que a expectativa de vida é inferior aos 40 anos”, disse.

O Brasil sempre foi um país de IDH com desenvolvimento médio, entre 0,5 e 0,799, assinalou. Mas de acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano 2007/2008 divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Brasil entrou pela primeira vez no grupo dos 70 países de Alto Desenvolvimento Humano, alcançando 0,8 –a linha de corte no índice. A esperança de vida subiu de 70,8 para 71,7 anos; a taxa de alfabetização atingiu 88,6% e o PIB per capita chegou a US$ 8.402. Esta paridade por compra, explicou Flávia, é medida em dólar, e equipara todos os países do mundo como se tivessem o mesmo poder de compra. Para ela, o valor do PIB per capita brasileiro ainda é muito baixo.

De acordo com o relatório anunciado em Brasília, o IDH brasileiro cresceu de 0.792 (no relatório de 2006) para 0.800. “É importante notar que o progresso nos indicadores de desenvolvimento humano básico para o Brasil se deu de maneira consistente em todas as dimensões. Ou seja, a melhora do IDH brasileiro, além de constante – desde 1975 todos componentes que formam o índice vêm apresentando melhora. No caso do Brasil pode-se afirmar que a evolução dos indicadores de desenvolvimento humano mostra uma alta consistência entre 1990 a 2005. Durante este período, a expectativa de vida cresceu mais que cinco anos e meio, o PIB per capita cresceu por volta de um sexto e as taxas de alfabetização dos adultos cresceu quase sete pontos percentuais. O resultado cumulativo destas mudanças foi uma progressão harmônica do desenvolvimento humano no Brasil”, revela o documento. E continua: “Ao ingressar no grupo de países de alto desenvolvimento humano, o Brasil marca o início, mesmo que simbólico, de uma nova trajetória e de um novo conjunto de aspirações. O olhar deve voltar-se ao desempenho do conjunto de países Latino-Americanos que têm um desenvolvimento humano superior ao Brasileiro, incluindo Argentina, Chile, Uruguai, Costa Rica, Cuba e México. O Brasil possui indicadores de desenvolvimento humano inferiores em quase todas as dimensões”.

Sobre isto, Flávia Oliveira destaca que o Brasil teve melhoras efetivas, “a gente conseguiu reduzir a mortalidade infantil e a feminina. Mas tem a questão da violência urbana e de doenças coronárias que representam dados endêmicos. Isso não expressa tudo que é o Brasil, mas houve um aumento da esperança de vida que chegou próximo aos 72 anos”.

O desenvolvimento humano e a realidade brasileira

No entanto, para a jornalista, o indicador de esperança de vida que colocou o Brasil na 70a posição, “daqui a alguns anos pode nos tirar desse grupo devido à questão da violência. Se isso continuar haverá um impacto na esperança de vida do brasileiro”. No quadro da longevidade no Brasil por causa da violência urbana, a expectativa de vida do sexo masculino é de 68 anos, enquanto que as mulheres podem atingir os 73 ou 74 anos de idade.

“A quantidade de mortes tem um efeito devastador para as famílias como também para o país. Não basta só olhar o IDH, existem outras reflexões a serem feitas sobre o que é o desenvolvimento humano e a realidade brasileira”.

As cidades do Rio de Janeiro e de Recife têm relatórios específicos de desenvolvimento humano sobre seus bairros. Isso, segundo a jornalista, “ajuda a refletir sobre a desigualdade no nosso dia-a-dia. A gente convive com desigualdades absurdas neste país. Há estados como Santa Catarina e Rio Grande do Sul que se parecem ao IDH da Islândia que esteve no topo do ranking com o maior índice (0,968). Outros estados, no entanto, estão muito próximos a Serra Leoa, que foi o país com menor índice de desenvolvimento humano (0,336), principalmente os estados do nordeste”.

E ainda faz críticas quanto a cidade do Rio de Janeiro: “temos índices de desenvolvimento humanos muito semelhantes aos de Serra Leoa e Islândia na mesma cidade. Ninguém tem dúvida que o IDH da Gávea e a da Rocinha são muito diferentes, são vizinhos mas há grande distância entre os dois. Essa realidade está muito perto da gente”.

Sobre o aumento da escolarização das crianças de 7 a 14 anos, Flávia acredita que “a educação é um valor que vem sendo incorporado na família brasileira, ela é um atrativo social incorporado em qualquer que seja o nível sócio-econômico da família. Mas temos índices baixos de jovens escolarizados a partir de 15 anos”. A escolarização para esta faixa etária no ensino médio é de aproximadamente 60%. “Esse resultado é aquém do desejado. Hoje na classe média a taxa de alunos nas escolas é alta, porém as escolas da rede pública não estão preparadas para receber e formar estas crianças”, contrapôs.

IDH no mundo e suas aplicações no jornalismo

Dos 177 países em que o índice é calculado, a maioria deles, 85 nações, estão classificadas com um desenvolvimento médio, que varia 0,5 a 07,99; e outros 22 países com baixo IDH, ou seja, que o cálculo é inferior a 0,5. “Praticamente todos os países de baixo IDH são da África”, disse.

Em sua palestra, Flávia Oliveira também aborda as possíveis aplicações que os dados do IDH podem ser utilizados como, por exemplo, em referências para as metas do milênio ou na produção de relatórios, além de possibilitar a comparação entre condições de vida em diferentes regiões com critérios semelhantes, “uma espécie de termômetro único”. Ela também considera que o IDH pode acrescentar uma visão mais humanista sobre o desenvolvimento, pois desvia o foco da dimensão unicamente econômica.

“Embora o índice de desenvolvimento seja uma média, ele é um indicador mais rico. Já é um passo adiante embora não seja o mais completo, o ideal, pelo menos se aproxima a uma idéia mais justa”, afirmou.

No jornalismo, Flávia Oliveira assinala que este indicador trouxe “riqueza às coberturas jornalísticas, pois permite avaliar políticas públicas sociais e medir a eficiência e o resultado destas políticas.

“O IDH expõe uma contradição imensa do Brasil, que está no ranking entre os 70 países de alto índice, é uma flagrante contradição de termos um país capaz de produzir riqueza, mas não consegue entregar em melhorias de condições de vida elementares para a população. Isso expõe a contradição brasileira por si só. Temos que pensar em como contribuir no debate pela qualidade do serviço público no Brasil”. Flávia considera o IDH uma ferramenta de cidadania, não apenas de reflexão, mas de cobrança.

Para ela, o Brasil tem tido uma evolução constante desde os anos 90, “melhoramos em esperança de vida e reduzimos a mortalidade infantil na década de 1990”. Mas, se questiona: isso é suficiente? Não. É desigual? É, responde.

O IDH no jornalismo apóia coberturas de áreas como economia, esportes e política, pois contribui para estabelecer parâmetros e também viabiliza comparações de lugares e populações diferentes, além de garantir objetividade às reportagens. De acordo com Flávia, tanto os jornalistas como os profissionais de comunicação e de imprensa devem usar estas ferramentas no seu dia-a-dia. “É cômodo não querer ver a realidade, um órgão de imprensa muitas não enxerga a realidade do Rio de Janeiro, é uma falha nossa não identificar e não ouvir realidades como a da Rocinha”.

O papel do jornalista

“Nós, jornalistas, somos intermediários de informação primária, a gente recebe, processa, transforma a informação em notícia e divulga. Isso é um exercício diário. Como é que a gente poder dar as costas para tanta matéria-prima?”, se pergunta.

“O indicador dá uma objetividade às reportagens, pois é matemático, não interessado e um agente neutro. Do ponto de vista jornalístico, o IDH aumenta a credibilidade o que enriquece o trabalho do jornalista”. Flávia afirma que o jornalismo precisa de mais qualidade, “a gente tem pecado, a cobertura é rasa e imediatista, o jornalismo é pouco reflexivo em relação a processos de evolução ou atraso”.

Flávia afirma que o papel do profissional de imprensa é instigar, reeducar e preparar o cidadão para um outro olhar. Ela deu um exemplo do fato quando o município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, foi considerado a cidade com a segunda maior capacidade de geração de riqueza do estado do Rio de Janeiro. Segundo o IBGE, o município registrou o sexto maior PIB de 1999-2000 no ranking nacional e o segundo maior do estado, em um total de 14 bilhões de reais.

Em sexta posição no PIB municipal do Brasil, a cidade de Caxias estava à frente de Porto Alegre. Sobre este caso, Flávia comenta que a cobertura do jornalismo foi pautada pelo interesse e entusiasmo sobre a cidade de Duque de Caxias. “Esta foi uma das maiores incompetências que a categoria poderia ter revelado. Como é que a gente não sabia disso, que Caixas iria acontecer, ficamos se enxergar essa realidade tão próxima”, admite.

Flávia Oliveira recomenda que o desenvolvimento humano não deve ser associado apenas a um indicador, mas também à qualidade de vida da população, que deve ser observada sob diferentes dimensões. Para ela é importante levar em conta a diversidade e o abandono ao etnocentrismo da classe média-branca-ocidental e, por fim, aliar a informação técnica a histórias pessoais e depoimentos a fim de realizar uma cobertura jornalística mais abrangente e diversa.

Flávia Oliveira é jornalista do jornal O GLOBO, Amiga da Criança e formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense – UFF. É também técnica em Estatística pela Escola Nacional de Ciências Estatísticas e exerce voluntariamente a coordenação editorial do jornal comunitário O Cidadão, destinado aos moradores das 16 comunidades do bairro da Maré, no Rio de Janeiro.

Esta disciplina, oferecida aos alunos da Universidade e à Sociedade em geral, é resultado do convênio entre o Programa Acadêmico do Núcleo de Estudos Transdisciplinares de Comunicação e Consciência-NETCCON/ECO/UFRJ, coordenado pelo Prof. Evandro Vieira Ouriques, e a Agência de Notícias dos Direitos da Infância-ANDI.

O Programa Acadêmico do NETCCON dedica-se às relações entre a mídia, a ética e a não-violência (no sentido de luta sem violência), tendo em vista o vigor da experiência de comunicação, da auto-construção da cidadania e da responsabilidade socioambiental na Mídia, na Política e nas organizações. Neste sentido o NETCCON criou e vem oferecendo há três anos consecutivos também a disciplina Construção de Estados Mentais Não-violentos na Mídia.

O Programa Acadêmico do NETCCON visa: Prover a Sociedade, sob a perspectiva das Ciências da Comunicação, com estudos e metodologias de prevenção e superação da violência, que contribuam para o salto de qualidade: (1) na cobertura midiática das Políticas Sociais e em sua gestão pública; (2) nas políticas e estratégias de Comunicação para a Responsabilidade Socioambiental; e (3) no padrão ético ("voz própria" e "vínculo") do trabalho de presença e colaboração nas Redes e Organizações. O NETCCON criou e oferece também a disciplina Comunicação, Construção de Estados Mentais e Não-violência, e está criando a disciplina Comunicação e Responsabilidade Socioambiental. Maiores informações sobre o NETCCON podem ser obtidas através de evouriques@terra.com.br.

Conheça mais sobre a disciplina aqui:
http://informacao.andi.org.br:8080/relAcademicas/site/visualizarConteudo.do?metodo=visualizarUniversidade&codigo=6