segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Loucuras Insandecidas

Recomendo o blog de comentários, poesias e poemas da Livia Brazil.

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Jornal Recomeço

Um jornal voltado para a discussão sobre o sistema penal no Brasil. Um meio de comunicação e expressão para os encarcerados. Uma frente contra a banalização da injustiça no país.

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Todo dia, dezenas de brasileiros são asfixiados em sacos plásticos, submetidos a choques elétricos. Como reagimos a tal brutalidade?

Cultura e violência
JOSÉ PADILHA

TODA NOITE , milhares de brasileiros não conseguem dormir por falta de espaço. Eles vivem em celas superlotadas, projetadas para três ou quatro pessoas, mas ocupadas por mais de 20. A maioria está doente e sofre de distúrbios mentais. São mal alimentados e subjugados por organizações criminosas. E estão sob a tutela do Estado.

Todo dia, dezenas de brasileiros são asfixiados em sacos plásticos, submetidos a choques elétricos, espancados. São jovens favelados, muitos deles traficantes que foram capturados por agentes do Estado, policiais civis ou militares.

Neste ano, de acordo com as estatísticas oficiais, mais de 1.300 jovens foram mortos por policiais no Estado do Rio de Janeiro. Em São Paulo, cerca de 500. A maioria deles com sinais inequívocos de execução. Para ter uma idéia de quão estarrecedores são esses números, nos EUA, um país que tem 300 milhões de habitantes, a polícia mata cerca 200 pessoas por ano. O que nós brasileiros fazemos ante tamanha brutalidade? Infelizmente, acho que a resposta é muito pouco ou quase nada. Não nos revoltamos. Não organizamos protestos nem marchamos em direção ao Palácio do Planalto. Aceitamos a violência do Estado e de seus agentes com estranha passividade. Será que não nos importamos com os direitos humanos?

Postas assim, essas questões parecem pertencer exclusivamente ao campo da ética. Todavia, tenho a impressão de que a forma pela qual reagimos à violência tem uma forte relação com a própria existência dessa violência. Suspeito que a nossa passividade perante a violência do Estado seja uma de suas causas.

A antropologia evolutiva parece corroborar essa tese. O comportamento humano foi moldado ao longo de milhares de anos de evolução. Na maior parte desse período, vivemos em pequenos grupos sociais, as tribos. Eram grupos em que todos os indivíduos se conheciam mutuamente e precisavam cooperar para sobreviver. Por isso, muitos biólogos defendem a idéia de que a cooperação e a compaixão, instintos que se opõem à agressividade, evoluíram para operar só entre indivíduos de uma mesma tribo, indivíduos que se conhecem.

Para tais biólogos, esses instintos não operam fortemente entre desconhecidos. Diz o famoso zoólogo Desmond Morris: "Uma relação despersonalizada não é uma relação biologicamente humana". E Edmund Wilson, professor de Harvard: "Do ponto de vista da biologia, o que precisa de explicação é a paz, não a guerra".

A julgar pela forma como reagimos à situação da segurança pública no Brasil, Morris e Wilson têm razão. A maioria de nós não conhece pessoalmente as vítimas usuais da violência no Brasil, que são miseráveis e favelados. Talvez por isso não nos importemos tanto assim com as violações de seus direitos humanos. A coisa muda de figura, claro, quando a vítima é nosso parente ou vizinho. Aí a biologia entra em campo e ficamos revoltados a ponto de protestar ostensivamente. Mas, nesse caso, vale notar, não protestamos por razões culturais, mas sim por instinto.

Se é verdade que não temos fortes instintos biológicos de compaixão e cooperação para com indivíduos que não conhecemos, como é que algumas sociedades conseguem controlar a violência em geral e a violência do Estado em particular?

Creio que existe um forte componente cultural associado ao controle da violência e que este controle funciona melhor onde existe uma ética social que valoriza o respeito ao indivíduo e as liberdades individuais. As reações sociais à violência do Estado não parecem se fundar nas idéias de coletividade e cooperação, mas na idéia de que os indivíduos não devem tolerar um Estado que pratique violência contra os seus cidadãos sob pena de eles serem a próxima vítima.

Isso explicaria por que os Estados que se constituíram a partir de idéias totalitárias associadas à coletividade foram, ao longo da história, muito violentos. Vide a China de Mao Tse-tung, a Alemanha nacionalista de Hitler ou a União Soviética de Stálin.

Por outro lado, os Estados modernos que aliaram a democracia ao respeito ao indivíduo, como Inglaterra e França, foram muito menos violentos. Se esse raciocínio está correto, o problema da violência urbana no Brasil tem um forte componente cultural e está associado ao fato de não termos uma tradição explícita de respeito aos direitos e às liberdades individuais.

Nesse cenário, podemos imaginar que a grande interferência dos governos brasileiros na economia, a alta carga tributária que pagamos sem protestar e a nossa grande tolerância com a corrupção tenham muito a ver com a morte do garoto de 15 anos que tomou 30 choques elétricos pelo corpo e com a prisão da adolescente em meio a homens no Pará -ambos sob a tutela do Estado.

JOSÉ PADILHA, 40, é cineasta, diretor dos filmes "Ônibus 174" e "Tropa de Elite".
Fonte: Folha de São Paulo - Tendências e debates - 23 de dezembro de 2007


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Médicos Sem Fronteiras divulga crises humanitárias


MSF divulga as Dez Crises Humanitárias Mais Negligenciadas pela mídia em 2007

Décima edição aborda problemas na República Centro-Africana, Somália, Sri Lanka, República Democrática do Congo, Colômbia, Mianmar, Zimbábue, Chechênia, tuberculose e desnutrição infantil

Todos os anos, a desnutrição é responsável pela morte de cinco milhões de crianças com menos de cinco anos. Recentemente, uma resposta eficiente surgiu na forma de um nutriente alimentar pronto para uso, que pode salvar vidas de crianças com desnutrição aguda. Esses produtos são feitos de leite e amendoim, enriquecidos com nutrientes necessários para uma rápida recuperação. Foto: Anne Yzebe

20/12/ 2007 — Pessoas lutando para sobreviver à violência, deslocamentos forçados e doenças na República Centro-Africana, Somália, Sri Lanka e em outros lugares freqüentemente deixaram de ser notícia este ano e em boa parte da década passada, segundo indica a 10ª edição da lista anual das Dez Crises Humanitárias, divulgada nesta quinta-feira pela organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF).

A lista de 2007 também ressalta os problemas vividos pelas populações envolvidas em crises esquecidas na República Democrática do Congo (RDC), Colômbia, Mianmar, Zimbábue e Chechênia, onde a guerra continua a provocar o deslocamento de milhões de pessoas. Ela também aborda as catástrofes médicas como a crise da tuberculose (TB) e a desnutrição infantil.

“Certamente, muitos integrantes da imprensa gostariam de reportar o que ocorre em áreas de conflitos em todo o mundo", afirma Nicolas de Torrenté, diretor-executivo do escritório de MSF nos EUA. "Mas milhões de pessoas encurraladas pela guerra, forçadas a deixar suas casas e sem acesso a cuidados básicos de saúde não recebem atenção proporcional a seu sofrimento".

MSF deu início à produção da lista em 1998, quando a fome devastou o sul do Sudão, mas não recebeu nenhuma cobertura da mídia americana. Um panorama do trabalho médico de emergência de MSF, a lista tem por objetivo conscientizar a opinião pública sobre a magnitude e a gravidade dessas crises, que nem sempre se refletem na cobertura da mídia. Freqüentemente, a atenção da imprensa é crucial para gerar e melhorar as respostas a essas crises.

A desnutrição infantil é um exemplo. Aumentar a cobertura dos métodos eficazes para o tratamento de crianças desnutridas com alimentos ricos em nutrientes prontos para usar está fazendo aumentar a conscientização da necessidade de mudança na política de ajuda internacional.

A RDC e a Colômbia, ambos países devastados pela guerra civil ainda corrente e por maciços deslocamentos internos de civis, dominaram a lista na última década, cada um deles aparecendo nove vezes nela. A crise humanitária decorrente da guerra na Chechênia apareceu oito vezes. A Somália apareceu sete vezes, mais recentemente devido aos novos confrontos registrados em Mogadíscio em 2007, provocou a morte de milhares de pessoas e forçou outras centenas de milhares a deixarem seus lares, para enfrentarem doenças e condições de vida extremamente precárias.

De acordo com Andrew Tyndall, editor da revista online “The Tyndall Report" que acompanha o trabalho da imprensa, os países e contextos ressaltados por MSF na lista deste ano tiveram apenas 18 minutos de cobertura nos princípais noticiários noturnos das três maiores emissoras de televisão dos EUA de janeiro até novembro de 2007. Esses dados não incluem a cobertura da crise em Mianmar ou da tuberculose, que despertaram grande atenção da mídia, mas cujo aspecto médico-humanitário teve pouca atenção. Chechênia , Sri Lanka e República Centro-Africana – onde muitos vilarejos foram totalmente queimados durante confrontos entre as forças do governo e os rebeldes e dezenas de milhares de pessoas fugiram para lugares inóspitos em busca de segurança – nunca foram mencionados.

A cobertura da crise de TB foi de certa forma uma exceção em 2007, quando um homem de Atlanta foi diagnosticado com uma linhagem multirrestente (MDR-TB) da doença. No entanto, o crescente índice de pessoas com MDR-TB globalmente, incluindo tuberculose de resistência extensiva a medicamentos (XDR) e o alarmante índice de pessoas com HIV/Aids co-infectadas com TB receberam pouca atenção.

"Ângulos locais de histórias internacionais freqüentemente também geram coberturas", disse de Torrenté. "Infelizmente, o resultado é que o foco não é necessariamente o mais vulnerável e desesperado – mais precisamente das pessoas que merecem ter suas histórias contadas".

Galeria de fotos:

A violência na Somália, em 2007, atingiu o pior dos últimos 15 anos. No entanto, tanto a assistência como a atenção a uma das mais agudas situações humanitárias do mundo pareceu diminuir. Os 16 anos de guerra fizeram da Somália uma das nações com os piores indicadores de saúde, onde poucas organizações conseguiram realizar programas de ajuda independentes. Foto: Jehad Nga




A província leste de Kivu Norte, República Democrática do Congo (RDC), vive uma grave crise humanitária. A 1ª eleição em décadas não trouxe estabilidade para a região. No ano passado, centenas de milhares de pessoas tiveram de deixar suas casas e, com poucas entradas para a assistência de saúde, os deslocados tornam-se cada vez mais vulneráveis a doenças facilmente tratáveis.Foto: Marcus Bleasdale




Mulheres enchem galões com água potável em campo de deslocados em Darfur. Cerca de dois milhões de deslocados internos vivem em acampamentos e assentamentos lotados, totalmente dependentes da ajuda humanitária para sobreviver. Foto: Alois Hug





No leste do Chade, nos últimos 18 meses, dezenas de milhares de pessoas são freqüentemente forçadas a deixar suas casas. Agrupados em acampamentos, onde a segurança nem sempre é garantida, os deslocados internos vivem em cabanas e enfrentam falta de alimentos, água e acesso a atendimento médico. Foto: Olivier Jobard





Pessoas se deslocam para campo de refugiados de Kibondo, na Tanzânia. A maioria dos refugiados dessa região são do Burundi e muitos deles deixaram o país em 1993. No início de 2006, MSF iniciou uma intervenção de emergência para evitar o aumento da taxa de mortalidade e a degradação das condições de saúde da população. Foto: Monica Rull / Victoria Perez




A Colômbia vive sua quinta década de conflito e apenas o Sudão supera o país no número de deslocados internos. Massacres, execuções, intimidação e medo são indissociáveis da vida cotidiana dos civis que vivem nas áreas afetadas pelo conflito. Atualmente, quase três milhões de pessoas deixaram suas casas devido ao conflito alimentado pelo comércio de narcóticos.
Foto: Stephan Vanfleteren




http://www.msf.org.br/galeria/msfgaleria.asp?id=65



Balanço do Observatório

BALANÇO 2007
Morte de jornalistas bate recorde da década

Por Comitê para a Proteção dos Jornalistas em 25/12/2007

O assassinato de jornalistas atingiu números inusitadamente altos em 2007, convertendo este ano no mais mortífero para a imprensa em mais de uma década, segundo uma análise de fim de ano do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ). Em todo o mundo, o CPJ apurou que 64 jornalistas morreram no cumprimento de seu trabalho em 2007 – oito a mais que no ano anterior – enquanto investiga as mortes de outros 22 repórteres para determinar se estão relacionadas com seu trabalho jornalístico. O CPJ registrou somente um ano com um número maior de vítimas fatais: 1994, quando 66 jornalistas morreram, muitos deles nos conflitos da Argélia, Bósnia e Ruanda.

Conflito letal

Pelo quinto ano consecutivo, o Iraque foi o país mais letal para a imprensa no mundo. Suas 31 vítimas constituem quase a metade do número de jornalistas mortos. Muitas das vítimas foram alvo de ataques e assassinatos, como o repórter do Washington Post Salih Saif Aldin, que morreu em Bagdá com um único tiro na cabeça. No total, 24 das mortes no Iraque foram por assassinato e sete em conseqüência do fogo cruzado durante combates.

Pistoleiros não identificados, ataques suicidas à bomba e operações dos militares norte-americanas constituíram uma série de riscos letais para os jornalistas iraquianos. Todos, exceto um dos 31 jornalistas mortos, eram cidadãos iraquianos. Quase todos trabalhavam para meios de comunicação locais, ainda que nove trabalhassem para organizações internacionais de notícias como The New York Times, ABC News , Reuters, e The Associated Press. O número de mortos no Iraque é consistente com o de 2006, quando 32 jornalistas foram mortos em represália por seu trabalho.

"Trabalhar como jornalista no Iraque continua sendo uma das tarefas mais perigosas do planeta", disse o Diretor Executivo do CPJ, Joel Simon. "Os jornalistas estão sendo perseguidos e assassinados com uma regularidade alarmante. São seqüestrados sob a mira de armas e encontrados mortos mais tarde, ou são executados no mesmo local. A maioria dos mortos é de iraquianos e alguns trabalhavam para agências internacionais de notícias. Estes jornalistas deram suas vidas para que todos nós pudéssemos estar informados sobre o que acontece no Iraque".

Doze profissionais que trabalhavam para meios de comunicação, como seguranças ou motoristas, também morreram no Iraque. Desde o início da guerra, em março de 2004, 124 jornalistas e 49 funcionários de meios de comunicação morreram, convertendo este conflito no mais letal para a imprensa na história recente. Mais de um terço trabalhava para organizações internacionais de notícias.

África

A Somália foi o segundo país mais letífero para os meios de comunicação em 2007, com sete jornalistas mortos por seu trabalho. "A violência aterradora no Iraque ofuscou um ambiente de crescente deterioração para os meios de comunicação na Somália", explicou Simon. "Os jornalistas na Somália enfrentam, diariamente, riscos cada vez mais graves". Entre as sete mortes na Somália encontram-se os assassinatos em seqüência de dois conhecidos jornalistas. Mahad Ahmed Elmi, diretor da rádio Capital Voice em Mogadíscio, morreu após receber quatro tiros na cabeça. Horas depois, uma mina terrestre remotamente detonada tirou a vida de Ali Iman Sharmarke, um dos donos do HornAfrik Media, quando este saía do funeral de Elmi.

As mortes de jornalistas aumentaram em toda a África – de duas em 2006 para 10 neste ano. Em 2007, dois jornalistas morreram na Eritréia e um no Zimbábue.

Apesar das terríveis cifras, o CPJ documentou mudanças positivas: na Colômbia, pela primeira vez em mais de 15 anos, nenhum jornalista morreu em decorrência de seu trabalho. E não houve mortes de jornalistas vinculadas ao trabalho informativo nas Filipinas pela primeira vez desde 1999.

Impunidade

O assassinato é a principal causa de mortes relacionadas com o trabalho jornalístico no mundo. Assim como em anos anteriores, quase sete em cada 10 jornalistas mortos em 2007 foram assassinados (as demais são mortes relacionadas com a cobertura de combates ou mortes durante coberturas perigosas). Em novembro, o CPJ anunciou uma campanha global contra a impunidade para buscar justiça nos casos de assassinatos de jornalistas. A campanha está concentrada nas Filipinas e na Rússia, dois dos países mais letais para a impr ensa nos últimos 15 anos.

Apesar de condenações recentes em ambos os países, a taxa de impunidade em cada um se mantém em aproximadamente 90 por cento. "Os assassinatos não resolvidos propagam o medo, a autocensura e vulneram o trabalho da imprensa", destacou Simon. "É necessário levar os assassinos de jornalistas à justiça para, assim, romper o ciclo de impunidade".

Em todas as regiões do mundo, jornalistas críticos ou que cobrem temas delicados foram silenciados. No Paquistão e no Sri Lanka, cinco jornalistas morreram em represália por seu trabalho. Ataques suicidas provocaram três das cinco mortes no Paquistão, incluindo a de Muhammad Arif, da emissora de televisão ARY One Word TV, que estava entre as 139 pessoas que morreram quando bombas explodiram durante a celebração pelo retorno da ex-Primeira Ministra Benazir Bhutto ao país. No Sri Lanka, aviões de combate da força aérea bombardearam a estação de rádio Voice of Tigers, causando a morte de três funcionários. Um assassinato foi registrado nos Estados Unidos, quando um homem armado mascarado atirou contra o editor do jornal Oakland Post, Chauncey Bailey, quando ele caminhava para o trabalho. A polícia atuou com rapidez e prendeu o pistoleiro.

Milhões de pessoas em todo o mundo foram testemunhas do aparente assassinato deliberado do fotógrafo japonês Kenji Nagai por tropas birmanesas durante a investida contra manifestantes antigovernamentais em Rangún. Aparentemente, não foram realizadas ações para levar o assassino à justiça.

O assassinato do editor turco-armênio Hrant Dink, no lado de fora do escritório de seu diário em Istambul, provocou comoção na imprensa turca e na comunidade internacional. No Quirguistão, o jornalista independente do Uzbequistão Alisher Saipov foi assassinado, baleado à queima-roupa e, no Peru, o popular comentarista de rádio Miguel Pérez Julca foi morto a tiros em frente a sua família.

Nepal, Territórios Ocupados de Gaza e Cisjordânia, Haiti, Honduras e Rússia também figuram na lista com jornalistas mortos por seu trabalho este ano. Cinco jornalistas estão classificados como desaparecidos, sendo três deles no México.

Pessoas que trabalham em apoio à mídia estão em um segmento de crescente risco, segundo a investigação do CPJ. Pela primeira vez, o CPJ compilou uma lista de trabalhadores de apoio à imprensa mortos. Em todo o mundo, 20 tradutores, assistentes, guardas e motoristas foram mortos em 2007. As vítimas incluem três entregadores de um jornal mexicano, executados por narcotraficantes em uma tentativa de silenciar o meio de comunicação.

Listagem anual

O CPJ, fundado em 1981, compila e analisa as mortes de jornalistas anualmente. A equipe do CPJ aplica um estrito critério para cada caso na lista anual de jornalistas mortos: os pesquisadores investigam independentemente e verificam as circunstâncias por trás de cada assassinato. O CPJ considera um caso relacionado com a função jornalística somente quando sua equipe possui razoável certeza de que um jornalista foi morto em represália direta por seu trabalho, em fogo cruzado, ou cumprindo uma tarefa de risco.

Se o motivo ainda não está claro, mas existe a possibilidade de que um jornalista tenha sido morto em relação direta com seu trabalho, o CPJ classifica o caso como "não confirmado" e continua investigando. A lista do CPJ não inclui jornalistas que morreram em decorrência de enfermidades ou acidentes – como em uma colisão de veículos ou acidente aéreo – a menos que o acidente tenha sido causado por uma ação hostil. Outras organizações de imprensa, que utilizam critérios diferentes, registram números de jornalistas mortos maiores do que o CPJ.

Uma listagem preliminar dos jornalistas mortos por seu trabalho em 2007, com um relato sobre cada caso, está disponível no site do CPJ. Além disso, há informes sobre cada um dos casos não confirmados que o CPJ continua investigando, e informações sobre os trabalhadores de apoio aos meios de comunicação mortos. Uma lista final de jornalistas mortos por seu trabalho será divulgada em 2 de janeiro de 2008.


Site do Comitte to Protect Journalists:

http://www.cpj.org/

Do Observatório da Imprensa

O mundo plano da imprensa

28/12/2007

Luciano Martins Costa

Observatório da Imprensa

Os fatos de grande repercussão internacional oferecem uma oportunidade interessante para a observação da imprensa e ajudam os observadores a entender que caminhos a mídia pode seguir no futuro, no ambiente da globalização e com a disponibilidade de avançadas tecnologias de comunicação.

O atentado que matou a ex-premiê do Paquistão Benazir Bhutto é uma dessas oportunidades.

A leitura dos jornais brasileiros mostra que a imprensa escrita poderia oferecer ao seus leitores algumas vantagens para o entendimento dos acontecimentos, mas a falta de estrutura nas redações limita essas possibilidades.

Até poucos anos atrás, o Estado de S.Paulo se destacava entre os concorrentes por contar com uma editoria Internacional mais qualificada, com correspondentes nas principais cidades do planeta, e contando na redação com profissionais experientes, multilingues e, o mais importante, dedicados a observar o mundo.

A comparação entre os jornais de hoje mostra que o Estadão perdeu essa vantagem.

Com a exceção de um ou outro comentarista, como o veterano Gilles Lapouge, o que se pode ler hoje é basicamente o material distribuído pelas agências de notícias internacionais.

Por outro lado, as emissoras de televisão de alcance global, como a americana CNN, a britânica BBC ou até mesmo a emissora árabe Al-Jazira conseguem em pouco tempo colocar em seus estúdios uma grande variedade de especialistas, aumentando a diversidade das informações e das interpretações dos fatos.

No entanto, é na imprensa escrita que o cidadão pode definir o ritmo ideal de leitura que favorece a reflexão e a compreensão.

Com os jornais praticamente pasteurizados e nivelados pela origem comum de todas as coberturas, a visão de mundo que se oferece aos leitores é plana, sem nuances que permitiriam entender a complexidade de um país como o Paquistão – uma das potências militares do mundo, país aparentemente incapaz de construir um regime político minimamente equilibrado.

A visão que todos os jornais nos apresentam é de uma sociedade tribal armada com ogivas nucleares.

Visto pelos jornais, o mundo é plano e incompreensível.

Palavra e informação

Outra oportunidade que o noticiário nos oferece hoje é a de atualizar nossa visão sobre a América Latina.

Ao mesmo tempo em que o continente celebra um de seus melhores momentos econômicos, revive o fantasma das ditaduras militares com o processo contra torturadores que corre na Justiça italiana e viaja no tempo com a esperada libertação dos reféns das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – ainda um extemporâneo resquício do século passado.

Mas a imprensa não parece capaz de retratar essa complexidade.

E comete pecados mortais na essência do seu negócio: a palavra.

Dines:

Pode ser descrita como "resgate" a libertação dos seqüestrados pelas FARC na Colômbia? A imprensa e, sobretudo, o noticiário oriundo da Venezuela, insiste no termo "resgate". Ora, resgate pressupõe o atendimento de exigências para a libertação de presos; neste caso é um acordo, no máximo um gesto humanitário. Mas considerando que seqüestro é crime e as FARC são uma organização terrorista que seqüestra inocentes para libertá-los anos depois em aparatosas ações de propaganda, fica complicado falar em gesto humanitário das FARC. O correto seria falar em gesto político. Mas se a libertação dos seqüestrados ocorre sem acordo, através de uma operação militar – o que não parece o caso -- poderia justificar-se a entonação de heroísmo. A mídia brasileira não dá muita bola para estas sutilezas filológicas ou semânticas. Para não repetir palavras, ou por falta delas, os jornalistas usam indistintamente resgate, troca ou libertação, esquecidos de que palavra é informação e palavra apropriada é informação correta.

Receita de ano novo

Carlos Drummond de Andrade

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Poesia de Clarice Lispector (adaptado) para o ano de 2008

Clarice Lispector

Faça de 2008 o ano de seus sonhos. Renove-se ao máximo.
Sonhe com aquilo que você quiser.
Vá para onde você queira ir.

Seja o que você quer ser, porque você possui apenas uma vida e nela
só temos uma chance de fazer aquilo que queremos.
Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana. E esperança suficiente para fazê-la feliz.

As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas. Elas sabem fazer
o melhor das oportunidades que aparecem em seus caminhos.
A felicidade aparece para aqueles que choram. Para aqueles que se
machucam. Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem a importância das pessoas que passam
por suas vidas.

O futuro mais brilhante é baseado num passado intensamente vivido.
Você só terá sucesso na vida quando perdoar os erros e as decepções do passado.
A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar, duram uma eternidade.
A vida não é de se brincar porque em pleno dia se morre.

Transposição do Rio São Francisco

Do Estadão.

Sexta-Feira, 28 de Dezembro de 2007

Por Washington Novaes para Estadão.

E termina mais um capítulo da novela da transposição de águas do Rio São Francisco - tema tratado tantas vezes pelo autor destas linhas há uns dez anos neste espaço - sem que, na verdade, nada se tenha avançado no que parece ser o essencial para a sociedade brasileira: trata-se mesmo do melhor projeto para resolver problemas de água no Semi-Árido e do próprio rio ou há alternativas mais adequadas? Porque uma infinidade de perguntas feitas ao longo de décadas continua sem resposta.

Ao comentar a nova greve de fome do bispo dom Luís Cappio, o presidente da República apenas reiterou o velho refrão de que "é o projeto mais humanitário do governo; e só quem carrega uma lata d'água na cabeça e viu sua cabrinha morrer de sede sabe o que é o problema da seca". Por isso, dele não se afasta. Já o ministro da Integração (que antes de ir para o governo era contra a transposição) se limitou a assegurar que o trecho principal da obra, no valor de R$ 4,5 bilhões (o total é estimado em R$ 6,6 bilhões), "estará concluído até o fim do governo Lula". O bispo, ao encerrar a greve, lamentou a "subserviência" do Judiciário ao Executivo federal, ao revogar na semana passada liminar que impedia a continuação das obras. E pediu a seus seguidores que não abandonem a luta pela revitalização do São Francisco.

Então, o que cabe é reiterar algumas das muitas perguntas que continuam sem resposta.

Ao longo dos anos, o governo federal, por vários de seus porta-vozes, tem dito, para justificar o projeto, que "não se pode negar uma caneca de água para 12 milhões de vítimas da seca"; mas o Tribunal de Contas da União, num parecer, afirmou que o projeto não beneficiará esse número de pessoas; e o próprio Ibama, ao examinar o estudo de impacto ambiental do projeto, mostrou que este num momento mencionava 12 milhões, em outro eram 7,24 milhões, mais adiante 9,02 milhões e até 7,21 milhões; da mesma forma, a área total a ser irrigada com águas transpostas, que num trecho do estudo era de 161 mil hectares e em outro, de 186 mil hectares.

Segundo o Comitê de Gestão da Bacia Hidrográfica do São Francisco, a transposição atenderá a menos de 20% da população do Semi-Árido; 40% da população continuará sem água - exatamente as pessoas que mais precisam; e a revitalização do rio, prometida pelo governo, "precisa sair do terreno da retórica"; estudo de Henrique Cortez observa que, "nos relatórios da Secretaria Nacional de Defesa Civil, órgão do Ministério da Integração Nacional, ao longo dos últimos cinco anos, 70% dos municípios em estado de emergência em razão da seca não estão na área ‘molhada’ pela transposição".

Vários cientistas e especialistas em recursos hídricos - como os professores Aldo Rebouças e Aziz Ab Saber, da USP, João Abner, da UFRN, João Suassuna, da Fundação Joaquim Nabuco (PE) - têm dito que o problema do Semi-Árido não é de escassez de água, é de má gestão; em apoio a essa posição, tem sido mostrado que o Nordeste acumula 37 milhões de metros cúbicos de água em 70 mil represas de pequeno, médio e grande porte, enquanto o consumo urbano (humano e industrial) é de 22,5 metros cúbicos por segundo para uma disponibilidade de 220 m3/seg; a demanda em 226 mil hectares irrigáveis previstos no projeto, de 131 m3/seg, pode ser atendida pela oferta de água já disponível; além do mais, o próprio Departamento Nacional de Obras contra a Seca diz que 50% dos "perímetros irrigados" em sua área não têm nenhuma serventia; várias avaliações prevêem que boa parte da água se perderá ainda por evaporação nos açudes onde será acumulada; e que essa água custará cinco vezes mais caro do que a disponível hoje (quem pagará a diferença?).

O mais recente manifesto em apoio ao bispo dom Luís Cappio afirma que 71% das águas a serem transpostas no Eixo Norte "passam longe do sertão menos chuvoso"; que 87% das águas se destinam não ao abastecimento de comunidades carentes, e sim a atividades econômicas, entre elas a fruticultura irrigada, criação de camarões e siderurgia, voltadas para a exportação; que o projeto atende apenas a quatro Estados, quando, com metade dos recursos, seria possível atender mais adequadamente a nove.

O próprio Ibama, em seu exame do estudo de impacto ambiental, entre as 41 observações que fez, mostrou que a transposição não atende prioritariamente a populações que sofrem com a seca: 70% das águas - diz o órgão licenciador - destinam-se à irrigação e 26% ao abastecimento de cidades (quando estudo recente mostrou que o Nordeste não foge à regra brasileira - na média, as cidades desperdiçam mais de 40% da água que sai das estações de tratamento); e, o que é mais grave, segundo o Ibama: 20% dos solos que se pretende irrigar "têm limitações para uso agrícola"; estes, "somados aos solos neolíticos, notadamente impróprios para a agricultura", respondem por mais de 50% das terras que se pretende irrigar; e "62% dos solos precisam de controle por causa da forte tendência à erosão"; ainda assim, e mesmo com oito das suas perguntas não respondidas, o Ibama concedeu a licença prévia e, depois, a de instalação.

Vários estudos alternativos têm mostrado que, com metade dos recursos previstos para a transposição, seria possível beneficiar 530 municípios e 34 milhões de pessoas; que populações a 500 metros dos canais de transposição não serão por eles beneficiadas; que a solução adequada para comunidades isoladas é a das cisternas de placa (só foram implantadas 216 mil de 1 milhão projetadas, com 85% de recursos federais e o restante de instituições privadas).

São, todas, questões graves. O novo episódio com o bispo dom Luís Cappio não encerra a discussão. A sociedade brasileira, que paga os custos do projeto, tem o direito de exigir respostas. E o governo tem o dever de respondê-las - mas não apenas com os bordões surrados que já cansaram os ouvidos.

Washington Novaes é jornalista
E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

Rio Com Vida

O que é o Rio Com Vida?


O Comitê Rio do Fórum Social Mundial está unindo esforços para a realização do Rio Com Vida, um acontecimento político e cultural, em 26 de janeiro de 2008, na orla carioca. A iniciativa é a adesão da cidade ao Dia de Mobilização e Ação Global.

A proposta é um dia inteiro de atividades político-culturais: que movimentos sociais, organizações da sociedade civil e grupos culturais – teatro, dança, música, poesia, vídeo etc. – se inscrevam transmitir suas mensagens nos palcos e nas tendas que serão montados na ocasião.

A iniciativa também terá trocas solidárias, venda de produtos produzidos segundo o ideal da economia solidária, apresentação do trabalho desenvolvido por entidades da sociedade civil etc.

O objetivo do Rio Com Vida é possibilitar o encontro e a troca entre diferentes organizações, associações, redes, fóruns, intelectuais, artistas, cidadãos, cidadãs. É fortalecer os laços na cidade.
Para que isso seja possível, é preciso mobilizar o maior número possível de movimentos sociais, grupos, entidades, pessoas. Realização de eventos preparatórios, manifestações nas ruas, envio de e-mails, difusão de cartazes etc. são bem-vindos.

O Evento


O Rio Com Vida acontecerá no Aterro do Flamengo no dia 26 de janeiro de 2008 e terá 8 tendas e 5 palcos. As Tendas de Tendências incluirão Artes Cênicas, Artes Visuais, Hip Hop, Música e Poesia. Ao lado delas haverá os Palcos da Vida, onde subirão artistas e militantes de todas as tribos e recortes, para apresentar espetáculos e dizer mensagens de reivindicação e saudação. Haverá quatro outros espaços: a Tenda Antropofágica, a Tenda de Trocas, a Tenda das Idéias e a Tenda de Conexões.

A criatividade e a liberdade só terão algum significado quando recobrarmos o intercâmbio de idéias não de maneira defensiva, mas pró-ativa, superando a divisão de interesses das lutas sociais. Ativistas, grupos e movimentos podem conviver a partir de pontos de engajamento político que oferecem bons motivos para otimismo. Os valores da santidade da vida humana, os direitos humanos universais, a preservação das espécies e o cuidado com as gerações presentes e futuras de crianças, por exemplo.

A proposta é uma Jornada de Mobilização e Ação Global com a cultura - as artes, as músicas e as palavras. Os movimentos sociais participarão livremente expressos e representados nas manifestações culturais e no pensamento alternativo de todas as partes da sociedade.

O confronto de idéias, o clamor por justiça e paz, o protesto e o posicionamento crítico, e a afirmação da cidadania, se realizarão naturalmente numa grande e aberta celebração. No Rio Com Vida conversaremos, cantaremos e dançaremos os direitos humanos e a solidariedade, sem nos preocupar em aliciar, cooptar, convencer ou formar opinião. Todos estarão seduzidos a expor a sua consciência, através da experiência de luta, da alegria, da invenção, da fantasia e da comunhão.

http://www.riocomvida.org.br/

Operação Condor de Celso Lungaretti

Recebi esse artigo pelo Consciencia.net do jornalista Celso Lungaretti.

27.12.07

A ITÁLIA QUER PUNIR A OPERAÇÃO CONDOR. O BRASIL, NÃO.

Celso Lungaretti (*)

A Justiça italiana acaba de pedir ao governo do Brasil que colabore no interrogatório, prisão e extradição de brasileiros envolvidos na Operação Condor, um esquema de colaboração informal que sete ditaduras sul-americanas mantiveram durante o período 1973/1980 para perseguir, aprisionar e atentar contra opositores que, exilados, estavam teoricamente fora do alcance de suas garras.

Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai foram as nações que facilitaram a atuação extraterritorial de agentes da repressão, na maioria das vezes capturando "subversivos" para serem secretamente recambiados a seus países de origem, supliciados em centros clandestinos de tortura e depois executados.

A ocultação dos cadáveres, para que não restassem indícios dos crimes cometidos, era o desfecho habitual dessas operações. Um documento secreto da Força Aérea Brasileira, datado de 1977, revela que se chegou a lançarem corpos no Rio La Prata, mas essa prática teve de ser abandonada porque estava "criando problemas para o Uruguai, como a aparição de cadáveres mutilados nas praias", passando-se então a utilizar "fornos crematórios dos hospitais do Estado (...) para a incineração de subversivos capturados".

Foi, enfim, uma alternativa hedionda a que as ditaduras recorreram para evitar os trâmites demorados dos processos de extradição e as garantias que o Direito internacional prescreve para os extraditados.

Um caso célebre no Brasil foi o seqüestro, em 1978, dos uruguaios Lilian Celiberti e Universindo Díaz, vindos a Porto Alegre, com seus dois filhos, para denunciar os crimes da ditadura do seu país. Os quatro foram capturados e entregues às autoridades do Uruguai. Se a revista Veja não noticiasse, dificilmente teriam sobrevivido.

Só no ano 2000 Universindo Díaz sentiu-se suficientemente seguro para relatar o ocorrido. Segundo ele, os espancamentos começaram já no apartamento em que ele foi capturado e prosseguiram na sede do DOPS: "Nos bateram brutalmente. Nos colocaram no que chamam no Brasil de 'pau-de-arara' – dependurados do teto, pelados, nos deram choques elétricos, água fria, golpes, e assim nos foram interrogando durante horas e horas. Havia uma espécie de divisão internacional de trabalho – os brasileiros golpeavam e os uruguaios nos interrogaram".

O episódio de maior repercussão internacional foi a explosão de uma bomba no carro do ex-embaixador chileno Orlando Letelier, em pleno bairro diplomático de Washington, no ano de 1978. O atentado cometido por agentes da repressão política do Chile, a Dina, resultou na morte de Letelier e de sua secretária, causando tanta indignação nos EUA que o país deixou de apoiar a ditadura andina.

ATRASO, TIMIDEZ, IMPUNIDADE – A punição dos responsáveis por esse período negro da história sul-americana está acontecendo com atraso e timidez, face à enormidade dos crimes cometidos. Muitos carrascos morreram antes de responderem por suas atrocidades. Mas, pelo menos, sinaliza para os pósteros que nem sempre as regressões à barbárie ficam impunes.

O Uruguai condenou à prisão o ex-ditador Gregório Alvarez, em cujo governo "desapareceram" 20 cidadãos uruguaios aprisionados na Argentina e repatriados ilegalmente, não aceitando sua alegação de que desconhecia a existência da Operação Condor.

A morte livrou o antigo ditador chileno Augusto Pinochet de cumprir a merecida pena de prisão pela autoria de nove seqüestros e um homicídio, mas seu ex-chefe de Inteligência Manuel Contreras não escapou: foi condenado a 15 anos de detenção por ter planejado o assassinato de Letelier e está preso.

A Argentina também está prestes a julgar o ex-ditador Rafael Videla e 16 cúmplices, por crimes contra a humanidade.

E, agora, a juíza italiana Luisanna Figliolia expediu um mandado de prisão contra 140 pessoas suspeitas de participação na Operação Condor, dentre elas 11 brasileiros, 61 argentinos, 32 uruguaios e 22 chilenos. O caso tramita desde 1999, a partir de denúncias apresentadas por parentes de 25 italianos que desapareceram sob regimes militares na América Latina.

O ministro da Justiça Tarso Genro logo descartou a extradição, por considera-la "inconstitucional", dos acusados brasileiros. Ficou implícito que, na opinião do ministro, dificilmente eles serão punidos, embora Tarso vá tomar as providências burocráticas rotineiras, ao receber o pedido das autoridades italianas.

O Exército, por sua vez, informou ao UOL que não vai se pronunciar oficialmente sobre o caso, que está sob tutela do ministério da Justiça por envolver "a soberania brasileira". Essa preocupação com a soberania aparentemente não existia quando se franqueava o território nacional para a caçada a casais inofensivos e suas crianças.

Então, para nosso opróbrio, só nos resta concordar com o procurador da República italiano Giancarlo Capaldo: "Esse processo nasceu na Itália porque os países unidos em torno da Operação Condor decidiram não abrir investigações sobre o assunto. A Itália está fazendo o possível para evitar a impunidade e para que operações como essa não voltem a acontecer".

* Celso Lungaretti é jornalista e escritor. Mais artigos em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/

====== POST SCRIPTUM: VÍTIMAS E ALGOZES ======

A nova edição do "Dossiê dos Mortos e Desaparecidos Políticos a partir de 1964", organizado pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, lista pelo menos seis brasileiros que desapareceram na Argentina como possíveis alvos da Operação Condor: Francisco Tenório Cerqueira Júnior (1976), Roberto Rascardo Rodrigues (1977), Luiz Renato do Lago Faria (1980), Maria Regina Marcondes Pinto de Espinosa (1976), Sidney Fix Marques dos Santos (1976) e Walter Kenneth Nelson Fleury (1976).

Os argentinos sumidos no Brasil são Norberto Armando Habegger (1978), Lorenzo Ismael Viñas (1980), Horacio Domingo Campiglia (1980), Mónica Susana Pinus de Binstock (1980), Jose Oscar Adur (1980), Liliana Inês Goldemberg (1980) e Eduardo Gonzalo Escabosa (1980). Os casos de Viñas e Campiglia passaram a ser investigados pela Justiça italiana no final dos anos 90 porque eles tinham dupla cidadania.

O primeiro desapareceu ao cruzar a fronteira da Argentina com o Brasil, de ônibus, perto de Uruguaiana (RS), e o segundo foi seqüestrado no aeroporto do Galeão, no Rio, junto com a guerrilheira Mónica Binstock. O processo na Itália resultou, no dia 24, em ordens de captura internacional emitidas pela Justiça italiana contra pelo menos 11 militares e policiais brasileiros. Os outros casos de argentinos desaparecidos no contexto da Operação Condor são investigados pela Justiça argentina. No Brasil, não há registro de processo criminal sobre o assunto.

"Pré-Condor", outras atividades conjuntas de países sob ditadura já haviam eliminado brasileiros no exterior. Documentos liberados recentemente citam, por exemplo, uma "Operação Mercúrio", que estaria por trás do desaparecimento, em janeiro de 1974, dos guerrilheiros brasileiros João Batista Rita Pereda e Joaquim Pires Cerveira. Nessa fase pré-Condor, outros seis brasileiros desapareceram no Chile entre 1973 e 1974: Antenor Machado dos Santos (1973), Jane Vanini (1974), Luis Carlos de Almeida (1973), Nelson Souza Kohl (1973), Túlio Roberto Cardoso Quintiliano (1973) e Wânio José de Matos (1973). Outro brasileiro, Luiz Renato Pires de Almeida, desapareceu na Bolívia em outubro de 1970.