Brasil: É preciso "virar pelo avesso" para entender a sociedade brasileira - antropólogo Roberto DaMatta
Rio de Janeiro, Brasil, 30 Jun (Lusa) – Na tentativa de entender o Brasil como sociedade e cultura, muitas vezes é preciso “virar pelo avesso”, afirma o antropólogo Roberto DaMatta, um dos maiores intelectuais do Brasil, que lança hoje no Rio de Janeiro o livro "Crônicas da Vida e da Morte".Autor de obras de referência na Antropologia, Sociologia e Ciência Política, o também cronista DaMatta refere que para entender a sua própria sociedade tem que “virar de cabeça para baixo, mudar os óculos, e colocar em causa aquilo que era natural e familiar”.
Neste livro, DaMatta, que viveu quase vinte anos nos Estados Unidos e actualmente lecciona na Pontifícia Universidade Católica no Rio, reúne textos que revisitam temas e factos consagrados como a sociedade brasileira, o futebol e o carnaval.
Para o antropólogo, um dos maiores paradoxos brasileiros é “saber demais” e destaca que no Brasil reinam dois estilos de vida: o individualismo em casa e a cidadania igualitária na rua. Isso, considera, explicaria a rede de corrupção que o Brasil está a viver na vida política.
“O individualismo pode emergir dentro de uma sociedade que faz parte de um sistema que tem regras e não está baseado na igualdade cívica como um valor, mas nas características cívicas singulares que se ancoram numa vida de família muito protectora”, disse DaMatta à Lusa.
Este círculo de relações pessoais, destaca, tem uma ética e está baseado numa “rede de obséquios e de favores”.
“No Brasil e em Portugal nós introduzimos uma outra variável, nos transformámos em países republicanos. A igualdade que veio dessa modernidade ocidental se impôs com regras que regem o mundo público num sistema de hierarquia e de gradações”.
Nas suas crónicas, DaMatta apresenta a "imitação" e a "mentira" como as bases da vida social no Brasil, a que acrescenta as “várias éticas que convivem” entre si.
“Ninguém vai falar a verdade e, sobretudo, no Brasil que é uma sociedade onde a família e a amizade ainda são as instituições mais importantes. Não conseguimos construir instituições sociais capazes de competir com a família. Por isso, o nepotismo”, salienta.
O favorecimento de familiares no Brasil não é apenas uma questão de corrupção, para ele é mais complexo, pois representa “um sinal de lealdades primordiais numa sociedade que não criou nada que possa competir com a família”.
No Brasil, aponta DaMatta, o “extraordinário é que não temos nem a consciência do problema do conflito de interesses, o abuso é a regra”.
Estudioso do país e de questões brasileiras, Roberto Augusto DaMatta é colunista do diário O Estado de São Paulo há mais de 10 anos e tem suas crônicas reproduzidas em diversos jornais no Brasil e em Portugal.
Ele já escreveu cerca de 20 livros de ensaios, pesquisas antropológicas com tribos indígenas, análises e reflexões sobre o carnaval e a realidade brasileira.
(Lusa)