quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Nelson Jobim: "Defesa é ter a capacidade de dizer 'não' quando necessário"

28/10/2009

El País
Javier Lafuente
Em Madri

O ministro da Justiça sob o presidente Fernando Henrique Cardoso, Nelson Jobim (nascido em Santa Maria, RS, em 1946) é o atual titular da Defesa e um dos mais estreitos colaboradores do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva.

El País: Existe uma corrida armamentista na região?
Nelson Jobim:
Não, o que há é uma recuperação do tempo perdido. O único conflito que há na América do Sul é o da Colômbia, com as Farc [a maior guerrilha colombiana]. O resto é uma necessidade de defender os recursos que se tem. É preciso compreender que a América do Sul tem a melhor capacidade energética da América Latina em hidrocarbonetos e energias alternativas. Pensamos que hoje ter uma boa defesa é ter a capacidade de dizer não quando é necessário dizer não.
  • Alan Marques/Folha Imagem

    Nelson Jobim durante audiência na Comissão de Relações Exteriores do Senado, em Brasília



El País: De quê o Brasil precisa se defender?
Jobim:
O Brasil não tem nenhum problema. Não tem inimigos. Mas existe a percepção de que precisamos ter a capacidade de defender todas as nossas infra-estruturas sensíveis, todas as nossas necessidades. Também a Amazônia. Há uma percepção internacional muito falsa. O Brasil vai cuidar da Amazônia para o Brasil e para todo o mundo, mas o Brasil vai cuidar dela. Esse é um assunto nosso, e não do mundo.

El País: Para quê o Brasil precisa de um submarino nuclear?
Jobim:
Trata-se de um submarino de propulsão nuclear, e não de ataque. A plataforma continental brasileira abrange 4,5 milhões de quilômetros quadrados. A grande riqueza brasileira está a 160 milhas do litoral. Há necessidade de resguardar esses recursos.

El País: Enquanto vocês negociam com a França, a Venezuela flerta com o Irã. Que risco há de que ocorra uma nuclearização da região?
Jobim:
Nenhum. Nós dominamos a tecnologia do enriquecimento de urânio há muito tempo. O uso do Brasil é para fins pacíficos. Devemos ser um dos poucos países que têm na Constituição uma norma que proíbe ter armas nucleares. O acordo com os franceses é com a parte nuclear do submarino de propulsão nuclear. O reator e o combustível são brasileiros.

El País: Mas lhes preocupa um eventual plano venezuelano para desenvolver armas nucleares?
Jobim:
Não, não creio que a Venezuela vá desenvolver nenhum tipo de arma nuclear. A América do Sul é uma região de paz, que tem seus conflitos políticos, mas não é como a Europa ou o Oriente Médio, onde há uma tradição de guerras.

El País: Serão tratados assuntos de cooperação nuclear na próxima visita de Mahmud Ahmadinejad ao Brasil, no final de novembro?
Jobim:
Se o presidente Ahmadinejad tratar com o presidente Lula de temas nucleares será com fins pacíficos e não militares. Não há qualquer possibilidade de qualquer tipo de desenvolvimento, pesquisas ou estudos no sentido militar, somente da propulsão. Para armas nucleares, não. Impossível.

El País: Depois do surto de violência nas favelas do Rio de Janeiro, estão pensando em enviar militares?
Jobim:
Não, não é o momento. A polícia tem a possibilidade de controlar isso. Se o governador tiver necessidade em algum momento, o exército poderá participar. Não é algo que se deva descartar, mas neste momento não há necessidade. A queda do helicóptero é um caso isolado. Mas se for necessário as Forças Armadas brasileiras têm a capacidade de atuar em ambiente urbano para manter a ordem. A partir de agora vamos ter notícias desse tipo o tempo todo, principalmente daqueles que não queriam que o Rio fosse a sede dos Jogos Olímpicos.

Congressistas dos EUA manifestam preocupação com visita de Ahmadinejad ao Brasil

Parlamentares republicanos e democratas expressaram nesta terça-feira preocupação pela visita do presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, ao Brasil, no final do mês de novembro, onde será recebido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Estou preocupado com os avanços diplomáticos do presidente Lula com o presidente iraniano Ahmadinejad", declarou durante uma audiência no Congresso o chefe do subcomitê sobre América Latina, o democrata Eliot Engel.

El País: Qual a sua opinião sobre os crescentes gastos da Venezuela em armamentos?
Jobim:
Esse é um assunto da Venezuela. Nós não podemos lhes dizer o que devem fazer. A Venezuela deve decidir seu próprio caminho. O presidente Chávez tem a legitimidade democrática, porque foi eleito para isso, para tomar decisões. Eu não creio que a posição do presidente Chávez seja para atacar ou agredir alguém.

El País: Então não lhes incomoda que a Venezuela compre cada vez mais armamentos?
Jobim:
Não, absolutamente. As relações do presidente Chávez com o Brasil são muito boas. Há questões como a Alba, a questão bolivariana, da qual não participamos, mas isso é um direito deles.

El País: Existe a necessidade de reconhecer que a multipolaridade é uma realidade?
Jobim:
Quando se derrubou o Muro de Berlim havia uma unipolaridade; depois o governo Bush confundiu a guerra com as cruzadas medievais e não compreendeu que havia uma multipolaridade. A gestão dos EUA com a América do Sul passa por um problema: seu tratamento do povo cubano. Toda a sua política de embargo a Cuba gerou três coisas: um país muito pobre, um povo muito orgulhoso e a grande desconfiança da América do Sul. A visão que se tem dos EUA na América do Sul é condicionada por Cuba.

El País: Em questão de um ano os EUA instauraram a Quarta Frota; depois o assunto das bases na Colômbia. Que riscos tem para o Brasil a presença militar norte-americana na América do Sul?

Jobim:
A presença militar dos EUA é muito antiga. Primeiro estiveram em Manta, no Equador. Agora na Colômbia, para apoio logístico na luta contra o narcotráfico e as Farc, não para atacar outra parte. Para nós não há nenhum problema. Com a Quarta Frota se fez muito barulho. Mas agora está consolidada mais como um fator administrativo interno dos EUA. Mesmo assim, se eles decidirem instaurar uma frota é um assunto deles. É como se o Brasil decidisse incrementar substancialmente sua presença militar na Amazônia; é uma questão brasileira e eu não teria de perguntar aos EUA.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves