domingo, 25 de maio de 2008

Jornalismo de Políticas Públicas Sociais, NETCCON.ECO.UFRJ:

Antônio Góis entende que o desafio para a universalização da educação é a melhoria da qualidade do ensino

“Somos um país extremamente desigual e temos uma dívida enorme com a sociedade quando se trata de educação pública e gratuita com acesso universal a todos”, afirmou o jornalista Antônio Góis da Folha de S. Paulo especializado há mais dez anos em coberturas de educação, em sua palestra no dia 12 de maio, na disciplina e curso de extensão Jornalismo de Políticas Públicas Sociais, uma realização do Núcleo de Estudos Transdisciplinares de Comunicação e Consciência-NETCCON.ECO.UFRJ e da Agência de Notícias dos Direitos da Infância-ANDI, sob a coordenação do Prof. Evandro Vieira Ouriques.

“Falta mão-de-obra qualificada no país, e isso acontece quando a gente tem uma escola pública muito ruim”, disse Antônio ao considerar que esta situação é proveniente de um processo histórico de aumento das desigualdades e disparidades sociais e que para realizar coberturas sobre educação, é preciso estar antenado às discussões atuais.

Ele cita, por exemplo, como se dá a divisão do ensino (em fundamental, médio e educação infantil), a discussão sobre a municipalização do ensino fundamental, além das principais leis – Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Ele também destaca o Artigo 212 da Constituição Federal sobre a destinação dos recursos: “A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino”. “Conhecer estes aspectos é fundamental na cobertura de políticas públicas em educação”, afirmou Góis.

Sobre a Lei de Diretrizes e Bases, ele apontou o Art. 4º em que é dever do Estado com a educação escolar pública de ter o ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; além de “progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; e oferecer “atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino”.

Antonio Góis explica: “Ou seja, de acordo com a LDB, toda criança tem que estar matriculada, é obrigatório que ela estude. Do ponto de vista legal, os pais podem ser punidos ou o próprio ente público que não ofereça vaga na escola”.

No que se refere ao Estatuto da Criança e do Adolescente que estabelece o direito fundamental à educação, o jornalista ressalta os artigos 53, 55 e 56 do ECA que fixam que: “A criança e o adolescente têm direito à educação assegurando-se-lhes: acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência (Art. 53); os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino (Art. 55); os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de: I - maus-tratos envolvendo seus alunos; II - reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recursos escolares; III - elevados níveis de repetência (Art. 56).

Após estas explicações iniciais, Antônio Góis se questiona: “por que uma sociedade precisa investir em educação?”. A partir desta indagação, o jornalista destacou quais impactos diretos e indiretos que o nível de educação pode causar em uma sociedade.

“Quanto maior o nível de escolaridade, menor será a taxa de desemprego, e maior será a renda média da família”, salientou Góis ao apontar dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-IBGE) de 2006, que indicam que a taxa de desemprego da população que cumpriu o ensino fundamental é de 13%, enquanto que é menor que 4% o desemprego entre os brasileiros que concluíram o superior.

A educação interfere também na renda do trabalhador e na capacidade de postos de trabalho, complementou o jornalista da Folha de São Paulo. A renda média para um brasileiro que cursou o superior é de cerca de R$2.500 enquanto para um analfabeto não passa de R$300.

Sobre a questão da fecundidade entre as mulheres menos instruídas, Antônio Góis apresentou dados do IBGE com base no censo de 2000 que aponta que o número de filhos de mulheres com menos de três anos de estudo e que recebam até cinco salários mínimos atinge a quatro filhos e meio. “Segundo esta tabela, se a mulher tem pouca escolaridade, o número de filhos é considerado alto no Brasil. Mais do que a renda, a escolaridade é um ponto fundamental na decisão de ter um filho”, disse.

Quanto ao número médio de filhos de mulheres com renda superior a cinco salários mínimos, este tende a cair quanto mais anos de estudos a mulher tiver. Se ela tiver estudado apenas três anos em sua vida, a média é de quatro filhos por mulher, uma vez que se ela tiver oito anos de estudo, o índice é de menos de dois filhos por mulher.

E no que se refere à mortalidade infantil, Antônio Góis aponta uma diferença de 140% de crianças mortas até um ano de idade por mil nascidos vivos entre mulheres com até três anos de estudo (40%) e mulheres com mais de oito anos de estudo (16%).

Em sua palestra, o jornalista também levantou a discussão sobre o nível de investimento em educação e, especialmente, no caso do Brasil. “O Brasil é um dos países que gasta menos no ensino fundamental em comparação com outros 28 países, apenas U$859. Já no superior, temos gastado U$10.791”. Góis apresentou dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico de 2000 (OCDE) sobre a relação de gasto por aluno em dólares em 28 países. No quesito do ensino fundamental, o Brasil só fica na frente do Paraguai que investe menos de U$500, e fica atrás de Argentina, México e Chile. Já no que se refere aos gastos do ensino superior, o Brasil foi o sétimo maior se aproximando a Argentina e a Suécia.

“Não há duvida de que temos um problema: o Brasil investe pouco no ensino fundamental e relativamente bastante no superior”, salienta Góis. Outro dado que ele destaca é o do programa internacional de avaliação comparada, o PISA realizado pela OCDE, aplicado nos alunos de quinze anos em 57 países para avaliar o desempenho em matemática. “O Brasil está em 54a posição no ranking, com um péssimo desempenho dos alunos sendo ultrapassado pela Indonésia e Colômbia”.

Outra informação alarmante que Góis ressalta é no que se refere ao ranking de 141 países, realizado pela UNESCO, que avalia a porcentagem de alunos repetentes no ensino fundamental. “O Brasil é o 16o com maior taxa de repetência, um índice de 19%. Nossos indicadores sociais têm sido altos, somos os últimos dos primeiros no IDH, mas quanto a educação ficamos atrás da Colômbia e da Argentina”, comenta.

“A gente acha normal repetir na escola, temos a cultura da repetência. É inaceitável, é um indicador que a gente tem que se indignar, pois isso é um absurdo. O Brasil tem uma taxa maior do que da Uganda e quase o dobro de Portugal”, critica.

Mitos da educação brasileira

Antônio Góis apresentou, em sua fala, alguns mitos sobre a educação, E começou ao levantar a questão do sistema de ciclos. Um dos mitos seria de que “no Brasil, foi decidido por lei que o aluno não iria mais repetir”. Esta é uma declaração do presidente Lula, porém, afirmou Góis que de acordo com o Art.23 da LDB: A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados (...), sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar. “Ou seja,

não é verdade que a lei mandou, ela colocou como possibilidade que os alunos estudem em um sistema de ciclos, mas isto não é uma obrigação”, discordou.

Dados do censo escolar do MEC de 2006 informam que 84% dos alunos estudam no sistema seriado e apenas 16% no sistema de ciclos. “Isto então comprova que o sistema de ciclo não seria o responsável pelo fracasso do aluno na escola, pois essa parcela é responsável por apenas 16%. O sistema que está fracassando é o seriado”, realçou.

Ele também destaca que para além da discussão sobre a forma de organização do sistema, deve ser debatida a forma que o aluno vai aprender. O jornalista reconhece que dados estatísticos, muitas vezes, podem apresentar erros. “Com os números, há uma grande possibilidade de análise, mas também de limitações”. No entanto, ele considera importante o manuseio de números e estatísticas para “fugir do achismo” na cobertura de educação. “Acho importante ter números, mas temos que saber como usa-los, eles não mostram o essencial, as razões. A estatística não diz a verdade sobre tudo”.

E acrescenta que “há estudos que comparam o rendimento de alunos do sistema de ciclo e o seriado, e eles apontam que não há diferença significativa entre o rendimento dos alunos nos dois sistemas. O principal problema principalmente no ensino fundamental é a qualidade, não é o ciclo que atrapalha”, analisa. “Não é que o debate de ciclos não seja importante, mas na minha opinião é preciso discutir qualidade”.

Um segundo mito apresentado na palestra diz que “no Brasil, os ricos vão para a universidade pública, enquanto os pobres vão para as faculdades particulares”. O jornalista contrapõe a esta visão ao apontar que a renda média familiar dos universitários que vão para a universidade pública é de R$3.151, enquanto que alunos que estudam nas particulares a média é de R$3.723 (IBGE/Pnad 2006).

A renda média é maior na privada do que na pública. Mas, não há duvida de que o ensino superior é elitista, seja público ou privado, no Brasil ele é para poucos”, conclui.

O terceiro mito apresentado por Góis diz respeito a que “no passado, ninguém estudava em escolas particulares porque a escola pública era de qualidade”. Mais uma vez se utilizando de estatísticas, a taxa de escolarização de crianças entre 7 e 14 anos nas escolas públicas na década de 1940 era de 30,6%, e em 2000 é de 94,5% (Censo de IBGE de 1940-2000).

“A escola pública era de qualidade, mas era para poucos. Atualmente, 98% das crianças estão matriculadas. Universalizamos o acesso mas não melhoramos a qualidade do ensino”, avalia.

E sobre a questão da interrupção da gravidez que estaria relacionada com o maior índice de violência, Antônio Góis apresentou outro mito citando uma fala do governador Sérgio Cabral: “A questão da interrupção da gravidez tem tudo a ver com a violência. (...) Você pega o número de filhos por mãe na Lagoa, Tijuca, Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginal”.

Se apoiando em dados da ONU e da Prefeitura do Rio, a partir do Censo do IBGE, Góis analisou as taxas de fecundidade nas referentes localidades. Suas constatações foram de que o bairro de Copacabana, de fato, apresenta um índice semelhante de filhos por mulher ao da Suécia. Porém, no que se refere a comparação entre Rocinha e Zâmbia, a diferença é muito grande. “Se o objetivo de uma política pública para mulheres é dar dignidade a elas, então é preciso dar educação”, disse.

Em outra comparação, Góis tenta analisar uma possível relação entre pobreza e violência. Os dados utilizados foram do Rio de Janeiro e do Maranhão. A taxa de analfabetismo no estado do Rio é de 5% e, segundo o jornalista, está abaixo da média nacional, enquanto que no Maranhão, 23% da população é analfabeta. “O Maranhão é o estado mais desigual do Brasil em termos de renda e é a segunda população mais miserável do país”.

Ademais, o jornalista apresentou outros dados para comparar os dois estados, como por exemplo, a taxa de homicídio por cem mil habitantes no Maranhão é de 11,7, enquanto que o Rio a taxa de homicídios se aproxima a 50. “Isso explica que a pobreza não é determinante para explicar a violência”.

Antônio Góis é jornalista da Folha de S. Paulo desde 2000, e cobre há mais de dez anos sobre educação. Ingressou na cobertura desta área no jornal O DIA e atualmente integra a rede de Jornalistas Amigos da Criança.

Esta disciplina, oferecida aos alunos da Universidade e à Sociedade em geral, é resultado do convênio entre o Programa Acadêmico do Núcleo de Estudos Transdisciplinares de Comunicação e Consciência-NETCCON/ECO/UFRJ, coordenado pelo Prof. Evandro Vieira Ouriques, e a Agência de Notícias dos Direitos da Infância-ANDI.

O Programa Acadêmico do NETCCON dedica-se às relações entre a mídia, a ética e a não-violência (no sentido de luta sem violência), tendo em vista o vigor da experiência de comunicação, da auto-construção da cidadania e da responsabilidade socioambiental na Mídia, na Política e nas organizações. Neste sentido o NETCCON criou e vem oferecendo há três anos consecutivos também a disciplina Construção de Estados Mentais Não-violentos na Mídia.

O Programa Acadêmico do NETCCON visa: Prover a Sociedade, sob a perspectiva das Ciências da Comunicação, com estudos e metodologias de prevenção e superação da violência, que contribuam para o salto de qualidade: (1) na cobertura midiática das Políticas Sociais e em sua gestão pública; (2) nas políticas e estratégias de Comunicação para a Responsabilidade Socioambiental; e (3) no padrão ético ("voz própria" e "vínculo") do trabalho de presença e colaboração nas Redes e Organizações. O NETCCON criou e oferece também a disciplina Comunicação, Construção de Estados Mentais e Não-violência, e está criando a disciplina Comunicação e Responsabilidade Socioambiental. Maiores informações sobre o NETCCON podem ser obtidas através de evouriques@terra.com.br

Conheça mais sobre a disciplina aqui:
http://informacao.andi.org.br:8080/relAcademicas/site/visualizarConteudo.do?metodo=visualizarUniversidade&codigo=6

Palestras a serem realizadas em 2008/1:

Semana 11 (26/05): A Questão das Políticas Públicas Sociais e a Mídia Contra-hegemônica.
Palestrante: Paulo Lima (Viração)

Semana 12 (02/06): A Comunicação criada pela Periferia no Rio de Janeiro.
Palestrante:
Prof. Augusto Gazir (Observatório de Favelas e ECO.UFRJ)

Semana 13 (09/06): O paradigma dos Direitos da Criança e do Adolescente: A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Palestrante: Wanderlino Nogueira Neto (ABONG)

Semana 14 (16/06): A Mídia e a Questão das Políticas Públicas Sociais no Brasil.
Palestrante:
Guilherme Canela (ANDI)

Semana 15 (23/06):O Paradigma da Diversidade Cultural.
Palestrante: Profa. Sílvia Ramos (CESEC)

Semana 16 (30/06): Jornalismo prospectivo e o futuro das políticas públicas sociais como pauta.
Palestrante: Rosa Alegria (NEF-PUC/SP, NETCCON.ECO.UFRJ, Millennium/UNU)