segunda-feira, 27 de julho de 2009

Melhorar produtividade é desafio na Amazônia

24/07/2009

Local: Londres - ex
Fonte: BBC - British Broadcasting Corporation
Link: http://www.bbc.co.uk/


Paulo Cabral

Especialistas concordam que é possível produzir muito mais na Amazônia usando apenas as áreas já desmatadas, para estimular o desenvolvimento social e econômico na região, sem a necessidade de mais destruição.

Atualmente, a pecuária praticada na Amazônia é altamente extensiva: em geral, o boi fica solto em grandes pastos (a média é de menos de uma cabeça de gado por hectare) sem grandes preocupações, por exemplo, com a qualidade do capim.

Tanto na criação de gado como na agricultura, a tendência de muitos produtores é usar um pedaço de terra por poucos anos - até que ele se esgote - e depois abrir mais espaço na mata ao invés de recuperar o terreno já utilizado.

"Já são mais de 700 mil quilômetros quadrados desmatados para a agropecuária, mas tudo é usado de maneira muito pouco eficiente", diz o pesquisador Paulo Barreto, do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). "Como a terra ainda vale muito pouco na Amazônia, vale mais para os produtores destruir mais floresta do que recuperar o que já está sendo usado."

Fertilidade
Ao contrário do que sugere a pujança da floresta, o solo amazônico é na verdade bem pobre. A natureza é tão exuberante na região porque a selva se alimenta de si mesma.

Ou seja, as plantas e animais que morrem se transformam em humo, que fertiliza o solo e permite que a mata volte a crescer. Quando este ciclo é interrompido pela agropecuária, todos os nutrientes do solo acabam sugados em pouco anos e a terra se torna estéril e arenosa.

É possível recuperar o terreno com grandes investimentos em fertilização e preparação da terra (fósforo é a principal deficiência do solo amazônico), mas este é um processo que exige grandes investimentos e planejamento de longo prazo.

"A incerteza na questão fundiária é uma das principais causas da atividade predatória na Amazônia", diz a diretora do programa Amazônia da ONG Conservação Internacional, Patrícia Baião. "É necessário que isso seja regularizado para que possamos cobrar dos potenciais produtores e investidores mais comprometimento com a manutenção da terra."

"Existe uma desvalorização da terra porque a ilegalidade é muito barata", acrescenta. "É mais fácil ocupar um outro pedaço do que se concentrar em um lote já aberto e ali trabalhar para recuperar a terra."

Floresta
Outro aspecto considerado essencial por especialistas para manter a selva de pé é desenvolver maneiras de valorizar as atividades econômicas mais ligadas à propria floresta.

Patricia Baião observa que a coleta de matéria-prima florestal - para as indústrias de cosméticos e medicamentos, por exemplo - é uma das atividades que se adequa bem às caracteríticas de populações locais e à preservação da natureza.

"O modelo econômico a ser adotado na Amazônia precisa ser pensado especificamente para a Amazônia", diz a ambientalista. "Existe uma desvalorização da terra porque a ilegalidade é muito barata e, por isso, é mais fácil ocupar um outro pedaço do que se concentrar em uma área."

Paulo Barreto diz que agregar valor aos produtos florestais é outra medida que pode gerar muitos ganhos com pouca devastação.

"O manejo sustentável de madeira (retirar árvores com um planejamento e um ritmo que permitam a recomposição da floresta) já é um grande avanço, mas agregar valor aos produtos florestais é algo que poderia trazer mudanças ainda mais profundas", afirma.

"Poderíamos, por exemplo, criar uma indústria de móveis que pudesse exportar a madeira já trabalhada e valendo muito mais. Isso teria uim impacto social muito positivo e aumentaria o valor econômico da floresta de pé."

Reserva
O fazendeiro Mauro Lúcio Costa ainda mantém as áreas florestais intocadas em 80% de sua propriedade - de 4,5 mil hectares - na região de Paragominas, no sudeste do Pará.

"Fazendo só pecuária, é muito difícil viabilizar o negócio usando apenas 20% da propriedade", afirma o produtor. "Mas desde que comecei a trabalhar a terra aqui, oito anos atrás, acreditava que a floresta poderia ter muito valor no futuro."

Ele diz esperar que, com o aumento das preocupações com o meio ambiente, seja possível lucrar com a preservação por meio, por exemplo, da prestação dos chamados "serviços ambientais".

Um exemplo de serviço ambiental bastante em voga hoje em dia é o mercado internacional de emissões de carbono, em que países e indivíduos que mantenham florestas intactas poderão receber recursos como compensação por estarem mantendo de pé áreas de vegetação que mitiguem os efeitos das mudanças climáticas.

"Acho que o governo poderia também criar um mercado para que aquelas fazendas que preservam mais do que o exigido por lei possam vender esses créditos para quem têm áreas mais desmatadas", sugere.

Produtividade
Também na pecuária, o fazendeiro diz que se preocupa em manter a fertilidade da terra - por meio de técnicas agropecuários modernas, períodos de descanso para o solo e rotação de culturas - para não ter que abrir novas áreas na mata.

"É mais caro trabalhar assim, mas a produtividade também aumenta muito", diz o fazendeiro. "Eu produzo uma média superior a 400 quilos de carne por ano por hectare. A média na Amazônia não passa de cem quilos por ano."

Ele dá como exemplo o capim que seu gado come. "Utilizo na minha propriedade seis tipos de capim, o que traz várias vantagens. O solo não fica desgastado por apenas uma espécie e, se houver algum problema, como uma praga, em um deles, os outros continuam vicejando", afirma.

Se a produtividade já é um problema entre os fazendeiros maiores, é uma dificuldade ainda maior para as pequenas propriedades, dos colonos da reforma agrária ou dos sem-terra que invadem fazendas na região. São, em geral, agricultores que não têm recursos próprios para investir, e reclamam de enormes dificuldades para conseguir crédito para investimentos por não terem a terra regularizada.

"Precisamos ter nossa terrinha certa para poder trabalhar sem medo", diz a agricultora Cosma Lima. "Se o governo ajudar, facilitar para a gente conseguir máquinas e fertilizantes, vamos poder produzir muito mais e ajudar a manter a floresta de pé."

A agricultora ocupou um lote em uma fazenda na cidade de Dom Eliseu e chegou a conseguir fazer seu cadastro para regularizar seu terreno dentro das regras do programa Terra Legal. Mas, depois, recebeu a notícia de que seu cadastro não seria aceito porque a terra que ela quer ocupar já está em nome de outra pessoa - uma situação bastante comum e difícil de ser resolvida em meio à desorganização fundiária da região.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Literatura: A vez da Amazónia chegou, diz o escrito de Manaus Milton Hatoum

**** Fabíola Ortiz, da agência Lusa ****

Rio de Janeiro, Brasil, 06 Jul (Lusa) - Chegou a vez da Amazónia, disse à Lusa o escritor Milton Hatoum, considerado pelos críticos um dos principais escritores brasileiros contemporâneos, ao referir que está a ser superada a barreira do isolamento e do exotismo da região amazónica, onde nasceu.

“O Brasil é Amazónia, tem a região para ser conhecida, só se fala na Amazónia agora. Ela está a influenciar o destino do planeta onde tem 20 por cento da água doce do planeta. Não sou paranóico, mas a Amazónia será extremamente cobiçada de forma mais conflituosa”, ressaltou o escritor nascido em Manaus.

Descendente de libaneses e professor de literatura na Universidade da California e no Amazonas, Hatoum é autor de três romances, um deles distinguido com o Prémio Portugal Telecom de Literatura em 2006 (com a obra “Cinzas do Norte”). Hatoum participou da edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que terminou domingo.

Ao explorar, nos seus romances, a diversidade da Amazónia e a multi-culturalidade de suas origens, Milton Hatoum critica, que reivindica para si o estatuto de regionalista, critica o regionalismo na literatura e diz que não vê o Norte do Brasil com estranheza e exotismo.

“O que é exótico para uns, não é para outros. A natureza da Amazónia, essa região superlativa, para mim, é o lugar onde eu nasci, é um dos meus lugares. Eu não vejo com tanta estranheza como outras pessoas de fora ou como o mundo todo vê".

Hatoum, que se considera ser o mais regionalista dos escritores e critica o regionalismo por ser um termo pejorativo, limitador e por tornar-se um “estigma”.

“Eu sou um regionalista feliz e totalmente globalizado. O mais globalizado dos regionalistas. A pergunta sobre regionalismo não se coloca em outros países, só no Brasil. No fundo, não importa onde é situado o romance, se em Nova Iorque, Paris, Londres, São Paulo, Rio de Janeiro ou na selva. Não é garantia de nada”.

Segundo o autor, o que mostra a qualidade de um livro é a linguagem e não o cenário da selva. E argumentou: “pode ser a coisa mais exótica, mas se a linguagem não convencer, se não produzir o efeito do real, se não tiver vigor, não adianta nada”.

Nas suas obras, Hatoum explora diversas identidades ao reunir comunidades de imigrantes libaneses, judeus marroquinos, nativos, indígenas e portugueses.

Apesar de não se prestar a escrever romances históricos ou políticos, o autor demonstra a preocupação de inserir sentido histórico nos seus romances, como a ditadura militar no Brasil ou o ciclo da borracha na Amazónia, no século XIX.

“De uma forma, a história está muito presente na vida dos personagens, nas suas ambições. O sentido histórico está mesmo que seja dissimulado, oculto”.

Na literatura, Hatoum considera que o sentido histórico para o romance é fundamental. “Hoje há uma tendência de o escritor ser uma espécie de globe trotter, de cidadão do mundo, mas sem nenhuma raiz. Como se pertencesse a tantos lugares que no fim não se pertence a lugar nenhum”.

Como autor regionalista, Milton Hatoum diz-se muito contente por a sua recente obra, a novela “Órfãos do Eldorado”, será traduzida em 16 idiomas, inclusive para chinês e russo.

A Flip é o maior evento literário do país e reuniu, entre 2 e 5 de Julho numa das mais antigas e históricas cidades brasileiras, cerca de 25 mil pessoas que assistiram à programação, que incluiu 34 autores convidados.

(Lusa/Fim)

Brasil: "Para escrever tem que ter dentro de si um Mané Garrincha" - António Lobo Antunes

Rio de Janeiro, Brasil, 05 Jul (Lusa) – Se alguém quer ser escritor deveria ver por dez minutos o jogador brasileiro Mané Garrinha jogar à bola, pois “não sai do corpo, sai da alma”, disse o autor português António Lobo Antunes na Feira Literária Internacional de Paraty (FLIP).

“Para escrever tem que ter dentro de si um Garrincha. É muito difícil, tem que fazer um esforço”, afirmou o vencedor do prémio Camões em 2007 perante um público de centenas de pessoas que se reuniram para ouvir Lobo Antunes, o destaque da feira literária que termina hoje.

De acordo com o autor português, escrever é um trabalho impossível, por se “trabalhar com coisas que são intraduzíveis em palavras, coisas anteriores às palavras que são as emoções, os impulsos e o grande problema é como transformá-los em palavras, transformar a linguagem das emissões numa linguagem que não se exprime através das palavras”.

Para Lobo Antunes, que publicou 21 romances num período de 30 anos, um livro é um “organismo vivo” que tem as suas leis, a sua fisionomia, o seu carácter, temperamento, “tal como um homem e uma mulher”.

Um livro tem que ser uma “enorme metáfora, porque todo grande livro é, entre outras coisas, humano, uma reflexão profunda e constante sobre a arte de escrever”, sublinhou.

O autor, que não vinha ao Brasil desde 1983, disse que o seu primeiro contacto com a literatura foi a partir de autores brasileiros como Machado de Assis, José de Alencar, Aluísio Azevedo, Manuel Bandeira e Monteiro Lobado.

O escritor português reconheceu que escrever é “muito difícil”, mas referiu que quando o livro é bom, “faz-se sozinho, é tentar tornar a sua mão feliz, se ela está feliz o livro sai”.

Lobo Antunes disse ao público que sua única regra antes de começar a escrever é impor a si mesmo “desafios impossíveis”: “vou escrever um livro que não sou capaz de escrever, tem que se pôr desafios cada vez mais intensos”.

“Quando comecei a escrever com cinco anos era maravilhoso, as palavras faziam sentido uma atrás da outra. Aos 15 anos, você descobre que há uma diferença entre escrever bem e mal e, depois dos 20, você percebe que há uma diferença ainda maior entre escrever bem e uma obra-prima”, sublinhou.

Para Lobo Antunes, escrever é, sobretudo, um regime de reescrever que requer uma atitude de “humildade”. “Se calhar o sucesso não é mais do que um fracasso adiado”, disse.

Com 66 anos, Lobo Antunes tem falado da possibilidade de parar de escrever. “Você pensa que não é capaz e, ao mesmo tempo, é a razão de vida”, explicou.

Ler dá muito mais prazer, salientou, destacando que a leitura é um acto “extremamente criativo” e que deve ser feita de sonhos, pesadelos, “é a vida”.

O que continua a mover o autor é a inquietação e a insatisfação de escrever um outro livro para corrigir o anterior. “Ficamos sempre aquém daquilo que queríamos dizer, é grande a frustração para quem trabalha com palavras”, afirmou.

Lobo Antunes foi aplaudido de pé por centenas de pessoas que assistiram à sua intervenção “Escrever é preciso” na FLIP e ficou visivelmente comovido com a interacção e o reconhecimento do público.

A sua última obra “Arquipélago da Insónia” ainda não foi publicada no Brasil. E ainda este ano, deverá ser lançado em Portugal “Que cavalos são aqueles que fazem sombra no mar?”, sem previsão de publicação no Brasil.

Neste mês, o autor lança no Brasil pela Alfaguara dois livros, “Explicação dos Pássaros” (1981) que considerou um romance, e “Meu Nome é Legião” (2007), sobre o qual disse não saber bem que estilo é.

(Lusa/Fim)

Brasil: Cultura criminal tornou-se parte da América Latina - norte-americano Jon Lee Anderson

Rio de Janeiro, Brasil, 04 Jul (Lusa) - A cultura criminal tornou-se parte do continente latino-americano disse hoje o jornalista norte-americano Jon Lee Anderson, presente na Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), ao criticar a ausência de um Estado de direito na sociedade.

Considerado um dos mais importantes jornalistas de guerra, Jon Lee Anderson é colaborador da revista norte americana The New Yorker e dedicou grande parte de sua carreira à cobertura de conflitos na América Latina e no Médio Oriente tendo publicado vários livros de reportagem e a biografia de Che Guevara.

Na FLIP que decorre até dia 5, Lee Anderson afirmou que a criminalização da sociedade é uma característica na América Latina e disse ter se surpreendido ao voltar ao Brasil, pois a droga não era algo tão presente na vida social.

“A sociedade vive numa situação desconfortável em relação à droga. Fiquei chocado com essa proximidade quando voltei ao Rio de Janeiro e ao Brasil”, afirmou.

Na tentativa de compreender as realidades, a falta de um Estado de direito, segundo o jornalista norte-americano, gerou uma guerra, “isso é uma guerra civil”. Mas ponderou que nestes conflitos intitulados “guerra contra as drogas”, morre muita gente.

Ele compara ainda à Colômbia o momento actual que vive o Rio de Janeiro, onde muitas favelas e comunidades pobres são controladas por grupos paramilitares.

“As milícias que tomam as favelas são a versão local do que aconteceu na Colômbia. Os traficantes são muito parecidos com os guerrilheiros, eles são o mesmo reflexo, não há um Estado de direito ali”, analisa.

Além de visitar favelas cariocas, Jon Lee Anderson passou por áreas de guerrilhas e comparando com o que vê actualmente, “é algo chocante”.

“Os governos e a sociedade criam uma espécie de legitimidade. Tem uma população marginalizada, fora do sistema”.

Ele lembra que há cerca de 30 anos, um jovem e pobre na América Latina “desapontado com a sociedade” tinha uma grande probabilidade de entrar para uma guerrilha. “Agora isso mudou, houve uma revolta criminalizada. Eu nunca vi isso de modo tão óbvio. Os bandidos mais velhos dizem que hoje se tornaram meros bandidos criminais”, refere para quem a América Latina é ainda vista com idealismo.

“Mas depois desse derramamento de sangue, as gangues tomaram conta”, analisa ao criticar a política de muitos governos que “empregam diversos meios para vencer, como se fosse fácil fazer uma guerra limpa e respeitar os Direitos Humanos”.

Lee Anderson reflecte sobre uma cultura global das drogas que existe hoje no mundo e considera que não se sente pessimista quanto à situação do Brasil.

Já na Colômbia, “com uma revolta de mais de 60 anos não há mais saída”, comenta para quem “mais cedo ou mais tarde, vão ter que legalizar os narcóticos. Não há realmente uma guerra formal e deve ser tentado algo que ainda não foi, que é legalizar”.

Jon Lee Anderson um dos autores presentes na Flip que reúne outros escritores internacionais como Sophie Calle, Grégoire Bouillier, o historiador Simon Schama, os chineses, Xinran e Ma Jian, Richard Dawkins, o português António Lobo Antunes e o angolano Ondjaki.

(Lusa/Fim)

Brasil: "É preciso sentir musicalmente cada frase" - Chico Buarque

Rio de Janeiro, Brasil, 04 Jul (Lusa) – O escritor brasileiro Chico Buarque considerou, perante um público de centenas de pessoas, ser necessário sentir musicalmente cada frase, na segunda noite da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), destacando a sua «necessidade musical ao escrever».

Grande autor de Música Popular Brasileira, compositor de centenas de canções, Chico Buarque de Hollanda foi um dos destaques da sétima feira literária e falou como autor de quatro obras de ficção, em especial a mais recente “Leite Derramado”, publicado este ano pela Companhia das Letras.

Sobre o diálogo entre a música e a sua escrita, Chico Buarque disse que não há uma relação directa ao escrever, mas destacou que a “literatura resulta musical”. Referiu ainda que a sua própria música e a que ouve “tem influência clara na escrita” que produz.

“É uma música de fundo que me acompanha. Quando estou a escrever não mexo em música, não ouço música, não faço música. Mas se não estiver cantável em algum lugar da minha cabeça aquela frase ou aquele parágrafo inteiro, eu recuso”, afirmou.

Um dos expoentes da música brasileira e que também faz parte da lista de autores contemporâneos falou sobre a inspiração ao escrever o livro “Leite Derramado”, que está a ser vendido desde Março em todas as livrarias do Brasil. O livro remonta ao Brasil Republicano e reflecte sobre a solidão, tema recorrente na obra de Chico Buarque.

Com 200 páginas, “Leite Derramado” é o seu quarto livro. Narrado na primeira pessoa por Eulálio Montenegro d’Assumpção, um velho solitário preso a uma cama de hospital, a ficção desenrola-se a partir de memórias.

O cantor e também escritor disse que a fonte inspiradora foi a canção “O velho Francisco”, de 1987. “Ouvi uma canção minha que estava meio esquecida, não lembrava, e tinha uma coisa desse delírio do velho, a narrativa de um velho a contar uma história com seus lapsos de memória, com as suas repetições, com os seus esquecimentos, com as suas fixações”.

E foi neste tipo de narrativa, a partir de um velho centenário com uma “memória remota mais presente do que a memória recente encontrei o meu narrador, por causa da história da música eu quis mantê-lo vivo”, realçou.

Chico Buarque referiu ainda que o seu romance não é histórico, “mas é um romance de um homem centenário que tem as suas lembranças de infância que remetem a 1910, 1915. São as memórias que o leva cada vez mais longe, no Brasil do império e no Brasil colônia”.

Neste livro, o passado e o presente são dispostos de forma desordenada e não-cronológica. Isso, segundo Buarque de Hollanda, é uma forma “interessante de criar momentos de tensão e de contrastes”.

“A história parte do presente porque está situada no hoje e as memórias dele e da família remontam até o começo do século XIX”, disse.

Quanto à dificuldade de encontrar uma “voz narrativa”, Chico Buarque disse não ter sido fácil, mas criou uma certa empatia pelo narrador e no final do livro foi difícil “despir-se”.

“Depois que entra e fica aquela voz narrativa, foi um ano e meio sendo aquela voz, sendo um pouco aquela pessoa, um sujeito com todos esses problemas, preconceitos. Ele faz parte da tua vida, é teu parente mais velho. Depois é difícil se despir. Ele entra e tem dificuldade para sair”, explicou.

Sobre o trabalho de condensação histórica e concisão no texto ao falar de muitas situações em poucas páginas, Chico admitiu que escreve “muito devagar”.

“Eu escrevo para ler, gosto muito mais de ler do que de escrever, escrever é uma chatice. Até metade do livro, todo o dia antes de começar a escrever eu lia o livro desde o começo. O livro tem 200 páginas, mas se descontar as vezes que o sujeito repete as suas histórias, vai ficar com 20 páginas. É um livro realmente muito conciso”, sublinhou, em tom irónico.

Além de ter falado pela primeira vez em público sobre a obra, Buarque fez uma sessão de autógrafos para o seu quarto romance.

Em 1991, Chico Buarque publicou “Estorvo”, quatro anos depois “Benjamin” e “Budapeste” em 2004. Foi galardoado com o Prémio Jabuti de melhor romance e melhor livro, o mais tradicional e importante prémio literário do Brasil, pelas obras "Estorvo" e "Budapeste".

(Lusa/Fim)


Brasil: "Não venham com o Acordo Ortográfico em cima da minha palavra" - escritor angolano Ondjaki

Rio de Janeiro, Brasil, 04 Jul (Lusa) - A reforma ortográfica da língua portuguesa carece de um maior debate para a sua implementação, defende o escritor angolano Ondjaki ao questionar o conceito de lusofonia e o “falso consenso” que existe entre os países em torno do Acordo.

Ondjaki está na edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que decorre até dia 05, e foi convidado para participar num debate precisamente sobre o Acordo Ortográfico da língua portuguesa.

“Não me venham com o Acordo Ortográfico em cima da minha palavra”, realçou Ondjaki, mostrando-se contra a unificação da grafia e referir que não entendeu “bem os meandros do acordo”.

O jovem escritor, angolano representante de uma geração contemporânea de autores africanos de expressão portuguesa, disse à Lusa que, para ele, a reforma ortográfica “não faz sentido a título pessoal, é um desabafo de escritor”.

“Em quase todos os escritores, sobretudo quando se trata do conto e da poesia, há uma relação muito umbilical com a palavra. O acordo, para um escritor, fica mais duro, mais difícil de aceitar porque mexe com uma componente que é o corpo da palavra e nós temos uma relação visceral com a palavra, de ciúme, de posse”, salienta.

Ondjaki afirmou compreender que se faça um acordo, mas admite que lhe “custa”, como um poeta, aceitá-lo: “Doe-me no corpo da minha palavra que venham dar regras novas”.

O escritor diz ainda que mantém uma posição “mais contra do que a favor” e diz que gostaria de ver as coisas mais “bem explicadas” por parte de quem defende ao criticar a ausência de discussão entre os sectores da sociedade.

“Houve debate em cima de uma decisão que já estava tomada, não houve um debate que conduziu a decisão”, realçou Ondjaki para quem existe um “falso consenso” de oito países, em que apenas três deles assinaram o acordo.

“Leve o tempo que levar, há questões que têm que ser mais debatidas do que outras, não pode baixar uma lei, um decreto”.

Para Ondjaki, que se declara “satisfeito” com a sua relação linguística com os outros povos, “não resta dúvidas que é um desacordo ortográfico porque há pessoas a falar a favor e contra e ainda há uma questão em torno disso”.

Ele contra-argmenta que não tem havido um “convite a este debate” por parte de quem o promove: “Não promovem o debate, promovem o acordo, é diferente”.

Bastante crítico ao termo “lusofonia”, o jovem autor angolano que teve suas obras traduzidas para o francês, inglês e alemão afirma que o conceito lusofonia “tal qual é usado politicamente não tem eco nenhum na realidade social das pessoas”.

Na Flip, Ndalu de Almeida, nascido em Luanda, mais conhecido por seu pseudônimo Ondjaki, publica a sua mais nova obra infantil “O leão e o coelho saltitão”, pela Editora Língua Geral, além de ter lançado na última semana pela Companhia das Letras “AvóDezanove e o segredo do soviético”.

Nesta sétima edição da feira literária o homenageado é o poeta pernambucano Manuel Bandeira (1886-1968) e tem como destaque o romancista português António Lobo Antunes.

A programação oficial inclui 34 autores convidados para a feira que se realiza uma das mais antigas e históricas cidades brasileiras onde são esperadas entre 20 a 30 mil pessoas.

(Lusa/Fim)

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Brasil: É preciso "virar pelo avesso" para entender a sociedade brasileira - antropólogo Roberto DaMatta


Rio de Janeiro, Brasil, 30 Jun (Lusa) – Na tentativa de entender o Brasil como sociedade e cultura, muitas vezes é preciso “virar pelo avesso”, afirma o antropólogo Roberto DaMatta, um dos maiores intelectuais do Brasil, que lança hoje no Rio de Janeiro o livro "Crônicas da Vida e da Morte".

Autor de obras de referência na Antropologia, Sociologia e Ciência Política, o também cronista DaMatta refere que para entender a sua própria sociedade tem que “virar de cabeça para baixo, mudar os óculos, e colocar em causa aquilo que era natural e familiar”.

Neste livro, DaMatta, que viveu quase vinte anos nos Estados Unidos e actualmente lecciona na Pontifícia Universidade Católica no Rio, reúne textos que revisitam temas e factos consagrados como a sociedade brasileira, o futebol e o carnaval.

Para o antropólogo, um dos maiores paradoxos brasileiros é “saber demais” e destaca que no Brasil reinam dois estilos de vida: o individualismo em casa e a cidadania igualitária na rua. Isso, considera, explicaria a rede de corrupção que o Brasil está a viver na vida política.

“O individualismo pode emergir dentro de uma sociedade que faz parte de um sistema que tem regras e não está baseado na igualdade cívica como um valor, mas nas características cívicas singulares que se ancoram numa vida de família muito protectora”, disse DaMatta à Lusa.

Este círculo de relações pessoais, destaca, tem uma ética e está baseado numa “rede de obséquios e de favores”.

“No Brasil e em Portugal nós introduzimos uma outra variável, nos transformámos em países republicanos. A igualdade que veio dessa modernidade ocidental se impôs com regras que regem o mundo público num sistema de hierarquia e de gradações”.

Nas suas crónicas, DaMatta apresenta a "imitação" e a "mentira" como as bases da vida social no Brasil, a que acrescenta as “várias éticas que convivem” entre si.

“Ninguém vai falar a verdade e, sobretudo, no Brasil que é uma sociedade onde a família e a amizade ainda são as instituições mais importantes. Não conseguimos construir instituições sociais capazes de competir com a família. Por isso, o nepotismo”, salienta.

O favorecimento de familiares no Brasil não é apenas uma questão de corrupção, para ele é mais complexo, pois representa “um sinal de lealdades primordiais numa sociedade que não criou nada que possa competir com a família”.

No Brasil, aponta DaMatta, o “extraordinário é que não temos nem a consciência do problema do conflito de interesses, o abuso é a regra”.

Estudioso do país e de questões brasileiras, Roberto Augusto DaMatta é colunista do diário O Estado de São Paulo há mais de 10 anos e tem suas crônicas reproduzidas em diversos jornais no Brasil e em Portugal.

Ele já escreveu cerca de 20 livros de ensaios, pesquisas antropológicas com tribos indígenas, análises e reflexões sobre o carnaval e a realidade brasileira.

(Lusa)

Escritor português Lobo Antunes é destaque na Flip

01-07-2009 14:31:07

Rio de Janeiro, 1º jul (Lusa) - A sétima edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que começa nesta quarta-feira em Paraty, vai homenagear o poeta pernambucano Manuel Bandeira (1886-1968) e tem como convidado de destaque o romancista português António Lobo Antunes.

Autor de mais de 20 romances e vencedor do Prêmio Camões em 2007, Lobo Antunes, que não vem ao Brasil desde 1983, falará sozinho no horário nobre da Flip, na noite de sábado, sobre o tema “Escrever é preciso”. Lobo Antunes é um dos poucos convidados da Flip com direito à exclusividade no palco.

O português aproveita ainda a viagem ao Brasil para lançar dois livros pela Editora Alfaguara: “Explicação dos Pássaros” (1981) e “O meu nome é Legião” (2007).

O músico, dramaturgo e escritor Chico Buarque também é um dos convidados de destaque que, com o escritor amazonense Milton Hatoum, vai falar sobre o Brasil. Na Flip, Buarque poderá fazer uma sessão de autógrafos do seu novo romance “Leite Derramado”, publicado em abril pela Editora Companhia das Letras, já que ele ainda não falou ao público sobre a obra.

A programação conta pela primeira vez com autores chineses, Xinran e Ma Jian. Além disso, o britânico Simon Schama, um nome de destaque entre os historiadores contemporâneos, lança “O futuro da América” sobre as eleições que elegeram Barack Obama para presidente dos EUA.

Já o norte-americano Gay Talese falará ao público no sábado. Repórter do New York Times nos anos 1960, Talese é um dos representantes do Novo Jornalismo, modalidade que utiliza técnicas da literatura no relato jornalístico.

Outra convidada é a artista plástica e escritora francesa Sophie Calle, que lança “Histórias Reais” (Ed. Agir) e que falará com o pintor e jornalista Grégoire Bouillier, autor de “Linvité mystère” (Ed. Cosac Naify).

Comemoração

Para comemorar os 200 anos de Charles Darwin e os 150 anos da obra “A origem das espécies”, irá estar presente em Paraty o cientista Richard Dawkins.

Considerado um dos mais importantes adeptos da teoria da evolução da atualidade, Dawkins lança na Flip “A grande história da evolução - na trilha dos nossos ancestrais” (Cia das Letras), obra originalmente publicada em 2004. O tema da sua palestra será “Deus, um delírio”.

Até dia 5 de julho, são esperadas entre 20 a 30 mil pessoas que deverão circular pela cidade do litoral fluminense.

A organização do evento, cujo orçamento não supera R$ 6 milhões, afirma que não foi fácil captar recursos em meio à crise, mas que este ano a Festa Literária estará “perfeita e maravilhosa” sem cortes nos projetos.

Escritor português Lobo Antunes é destaque na Flip

01-07-2009 14:31:07

Rio de Janeiro, 1º jul (Lusa) - A sétima edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que começa nesta quarta-feira em Paraty, vai homenagear o poeta pernambucano Manuel Bandeira (1886-1968) e tem como convidado de destaque o romancista português António Lobo Antunes.

Autor de mais de 20 romances e vencedor do Prêmio Camões em 2007, Lobo Antunes, que não vem ao Brasil desde 1983, falará sozinho no horário nobre da Flip, na noite de sábado, sobre o tema “Escrever é preciso”. Lobo Antunes é um dos poucos convidados da Flip com direito à exclusividade no palco.

O português aproveita ainda a viagem ao Brasil para lançar dois livros pela Editora Alfaguara: “Explicação dos Pássaros” (1981) e “O meu nome é Legião” (2007).

O músico, dramaturgo e escritor Chico Buarque também é um dos convidados de destaque que, com o escritor amazonense Milton Hatoum, vai falar sobre o Brasil. Na Flip, Buarque poderá fazer uma sessão de autógrafos do seu novo romance “Leite Derramado”, publicado em abril pela Editora Companhia das Letras, já que ele ainda não falou ao público sobre a obra.

A programação conta pela primeira vez com autores chineses, Xinran e Ma Jian. Além disso, o britânico Simon Schama, um nome de destaque entre os historiadores contemporâneos, lança “O futuro da América” sobre as eleições que elegeram Barack Obama para presidente dos EUA.

Já o norte-americano Gay Talese falará ao público no sábado. Repórter do New York Times nos anos 1960, Talese é um dos representantes do Novo Jornalismo, modalidade que utiliza técnicas da literatura no relato jornalístico.

Outra convidada é a artista plástica e escritora francesa Sophie Calle, que lança “Histórias Reais” (Ed. Agir) e que falará com o pintor e jornalista Grégoire Bouillier, autor de “Linvité mystère” (Ed. Cosac Naify).

Comemoração

Para comemorar os 200 anos de Charles Darwin e os 150 anos da obra “A origem das espécies”, irá estar presente em Paraty o cientista Richard Dawkins.

Considerado um dos mais importantes adeptos da teoria da evolução da atualidade, Dawkins lança na Flip “A grande história da evolução - na trilha dos nossos ancestrais” (Cia das Letras), obra originalmente publicada em 2004. O tema da sua palestra será “Deus, um delírio”.

Até dia 5 de julho, são esperadas entre 20 a 30 mil pessoas que deverão circular pela cidade do litoral fluminense.

A organização do evento, cujo orçamento não supera R$ 6 milhões, afirma que não foi fácil captar recursos em meio à crise, mas que este ano a Festa Literária estará “perfeita e maravilhosa” sem cortes nos projetos.

Grupos teatrais lusófonos participam de festival no Rio

01-07-2009 13:39:56

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Rio de Janeiro, 1° jul (Lusa) - Onze espetáculos teatrais de seis países lusófonos realizam-se no Rio de Janeiro a partir de quinta-feira e durante dez dias no Festival de Teatro da Língua Portuguesa (Festlip), que vai homenagear o escritor moçambicano Mia Couto.

Segundo a atriz e produtora Tânia Pires, uma das organizadoras do Festlip, esta segunda edição do festival já integra o calendário cultural carioca.

“Estamos a aprimorar o festival, ele está a ser muito comentado tornando-se cada vez mais importante com uma grande repercussão”, disse à Agência Lusa Tânia Pires, ao citar que mais de 500 grupos inscreveram-se para participar do evento.

Ao todo serão cerca de 80 profissionais de teatro de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e Portugal que se deslocam ao Brasil. “A surpresa esse ano será a vinda de um grupo de Teatro do Oprimido da Guiné-Bissau”, comenta Tânia Pires.

Cada país será representado por duas companhias, à exceção de Guiné-Bissau, que faz sua estreia no Festlip com uma montagem do Grupo do Teatro do Oprimido, criado no país pelo recém-falecido dramaturgo Augusto Boal.

A programação deste ano homenageia o escritor moçambicano Mia Couto, que fará uma palestra no próxima sexta-feira sobre a “Metamorfose da literatura para o teatro”.

“Mia Couto tem o lado de dramaturgo muito forte com um trabalho voltado para o teatro, fora os seus textos escritos. Ele usa o teatro como forma de expressão da literatura e é um fomentador do teatro em Moçambique”, disse a produtora brasileira.

Um dos destaques será o diretor português Miguel Seabra, do grupo Meridional, que promoverá uma oficina de três dias aos atores de língua portuguesa num evento paralelo à mostra teatral.

“Miguel Seabra vai dar uma oficina para os atores que vão participar do festival. A intenção é de intercâmbio, pois ele vai trazer a sua experiência de Portugal. Serão oficinas teatrais para manter a convivência com atores de língua portuguesa”, destaca a organizadora.

O diretor português ainda pretende dirigir um espetáculo no Brasil com estreia prevista para o final do ano, cujo texto de língua portuguesa será escolhido ao longo do festival.

A expectativa para este ano é de que cerca de 18 mil pessoas circulem pelos eventos culturais e assistam aos espetáculos teatrais, todos com entrada franca.

O segundo Festlip conta com apoio das embaixadas de Angola, Moçambique, Cabo Verde, Portugal, Instituto Camões, Ministério da Cultura, Fundação Palmares e Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).




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