segunda-feira, 6 de julho de 2009

Brasil: "É preciso sentir musicalmente cada frase" - Chico Buarque

Rio de Janeiro, Brasil, 04 Jul (Lusa) – O escritor brasileiro Chico Buarque considerou, perante um público de centenas de pessoas, ser necessário sentir musicalmente cada frase, na segunda noite da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), destacando a sua «necessidade musical ao escrever».

Grande autor de Música Popular Brasileira, compositor de centenas de canções, Chico Buarque de Hollanda foi um dos destaques da sétima feira literária e falou como autor de quatro obras de ficção, em especial a mais recente “Leite Derramado”, publicado este ano pela Companhia das Letras.

Sobre o diálogo entre a música e a sua escrita, Chico Buarque disse que não há uma relação directa ao escrever, mas destacou que a “literatura resulta musical”. Referiu ainda que a sua própria música e a que ouve “tem influência clara na escrita” que produz.

“É uma música de fundo que me acompanha. Quando estou a escrever não mexo em música, não ouço música, não faço música. Mas se não estiver cantável em algum lugar da minha cabeça aquela frase ou aquele parágrafo inteiro, eu recuso”, afirmou.

Um dos expoentes da música brasileira e que também faz parte da lista de autores contemporâneos falou sobre a inspiração ao escrever o livro “Leite Derramado”, que está a ser vendido desde Março em todas as livrarias do Brasil. O livro remonta ao Brasil Republicano e reflecte sobre a solidão, tema recorrente na obra de Chico Buarque.

Com 200 páginas, “Leite Derramado” é o seu quarto livro. Narrado na primeira pessoa por Eulálio Montenegro d’Assumpção, um velho solitário preso a uma cama de hospital, a ficção desenrola-se a partir de memórias.

O cantor e também escritor disse que a fonte inspiradora foi a canção “O velho Francisco”, de 1987. “Ouvi uma canção minha que estava meio esquecida, não lembrava, e tinha uma coisa desse delírio do velho, a narrativa de um velho a contar uma história com seus lapsos de memória, com as suas repetições, com os seus esquecimentos, com as suas fixações”.

E foi neste tipo de narrativa, a partir de um velho centenário com uma “memória remota mais presente do que a memória recente encontrei o meu narrador, por causa da história da música eu quis mantê-lo vivo”, realçou.

Chico Buarque referiu ainda que o seu romance não é histórico, “mas é um romance de um homem centenário que tem as suas lembranças de infância que remetem a 1910, 1915. São as memórias que o leva cada vez mais longe, no Brasil do império e no Brasil colônia”.

Neste livro, o passado e o presente são dispostos de forma desordenada e não-cronológica. Isso, segundo Buarque de Hollanda, é uma forma “interessante de criar momentos de tensão e de contrastes”.

“A história parte do presente porque está situada no hoje e as memórias dele e da família remontam até o começo do século XIX”, disse.

Quanto à dificuldade de encontrar uma “voz narrativa”, Chico Buarque disse não ter sido fácil, mas criou uma certa empatia pelo narrador e no final do livro foi difícil “despir-se”.

“Depois que entra e fica aquela voz narrativa, foi um ano e meio sendo aquela voz, sendo um pouco aquela pessoa, um sujeito com todos esses problemas, preconceitos. Ele faz parte da tua vida, é teu parente mais velho. Depois é difícil se despir. Ele entra e tem dificuldade para sair”, explicou.

Sobre o trabalho de condensação histórica e concisão no texto ao falar de muitas situações em poucas páginas, Chico admitiu que escreve “muito devagar”.

“Eu escrevo para ler, gosto muito mais de ler do que de escrever, escrever é uma chatice. Até metade do livro, todo o dia antes de começar a escrever eu lia o livro desde o começo. O livro tem 200 páginas, mas se descontar as vezes que o sujeito repete as suas histórias, vai ficar com 20 páginas. É um livro realmente muito conciso”, sublinhou, em tom irónico.

Além de ter falado pela primeira vez em público sobre a obra, Buarque fez uma sessão de autógrafos para o seu quarto romance.

Em 1991, Chico Buarque publicou “Estorvo”, quatro anos depois “Benjamin” e “Budapeste” em 2004. Foi galardoado com o Prémio Jabuti de melhor romance e melhor livro, o mais tradicional e importante prémio literário do Brasil, pelas obras "Estorvo" e "Budapeste".

(Lusa/Fim)

Nenhum comentário: