terça-feira, 17 de novembro de 2009

JPPS

Jornalismo de Políticas Públicas Sociais, uma realização NETCCON.UFRJ, ANDI e SESC-Rio
Segunda, 23.11.2009, das 9h30m às 13h-Entrada Gratuita!
Auditório da CPM-ECO.UFRJ, Campus da Praia Vermelha, ao lado da piscina


Como fazer para as Redes Sociais acontecerem: um desafio para os “tecelões” da Democracia

Palestra de Augusto de Franco


“Embora a chamada ciência política ainda não tenha se dado conta da existência desse nexo conotativo entre rede social e democracia, a democratização está co-implicada no aumento da distribuição das redes sociais (e não na aposta no padrão organizativo centralizado ou multicentralizado da maioria das instituições políticas, públicas e privadas, como os partidos e os chamamos movimentos sociais, as corporações, os sindicatos, as associações ou outras formas tradicionais de arrebanhamento), o que significa enfocar e valorizar o cidadão desorganizado e conectado que compõe o imenso contingente da sociedade civil.”

Na próxima segunda, dia 23, das 9h30m às 13h, o JPPS, o curso de extensão de Jornalismo de Políticas Públicas Sociais oferecido pelo NETCCON-Núcleo de Estudos Transdisciplinares de Comunicação e Consciência.ECO.UFRJ, em convênio com a ANDI, e em parceria de realização com o SESC-Rio e seu projeto Redes Comunitárias, tem a alegria de receber para uma conversa Augusto de Franco, um dos maiores especialistas no Brasil na relação entre Redes Sociais e Democracia. Mais informações pelo e-mail
evouriques@terra.com.br e pelo cel. 21.9205.1696.

“Para a democracia não se trata de sonhar com coisas ideais, irrealizáveis, e sim de mudar a forma como nos comportamos política e administrativamente em termos orgânicos. É bom repetir: trata-se de mudar a matriz de projetos, programas e ações governamentais e não-governamentais em todos os níveis. Tudo ou quase tudo que organizamos atualmente a partir do padrão-mainframe, pode ser reorganizado segundo um padrão-network. Quem faz netweaving faz, pois, democracia. Afinal, é necessário reconhecer que tinha razão o pioneiro das redes, Robert Muller, quando escreveu há mais de 20 anos: “conforme caminhamos para o terceiro milênio, talvez a participação em networks se torne a nova democracia, um novo elemento importante no sistema de governança, um novo modo de vida nas complexas e miraculosas condições globais do nosso estranho e maravilhoso planeta vivo, girando e circulando no universo prodigioso em uma encruzilhada de infinidade e eternidade.

“Os netweavers são os "tecelões" (para aproveitar uma expressão de Platão, no diálogo “O Político”, que poderia ter sido feliz se não se referisse ao homem régio, possuidor da ciência régia da política) e os animadores de redes voluntariamente construídas. Na verdade, eles constroem interfaces para "conversar" com a "rede-mãe". Os netweavers não são necessariamente os estudiosos das redes, os especialistas em Social Network Analysis ou os que pesquisam ou constroem conhecimento organizado sobre a morfologia e a dinâmica da sociedade-rede. Os netweavers, em geral, são políticos, não sociólogos. E políticos no sentido prático do termo, quer dizer, articuladores políticos, empreendedores políticos e não cientistas ou analistas políticos.”

Augusto de Franco nasceu em 1950, no Rio de Janeiro. Foi membro do Comitê Executivo do Conselho da Comunidade Solidária, juntamente com Ruth Cardoso e Miguel Darcy e coordenador da AED -Agência de Educação para o Desenvolvimento. Elaborou várias tecnologias de desenvolvimento, como o DLIS -Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável, a Governança Solidária Local e o Pacto pela Democracia Local. É consultor da FIEP para a Rede de Participação Política do Empresariado, escritor, desenvolvedor de Nan Dai e netweaversda Escola-de-Redes. Publicou 16 livros sobre desenvolvimento, redes sociais e democracia, dentre os quais destacam-se “Capital Social”, “A Revolução do Local” e “Alfabetização Democrática”.

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Terceiro capítulo da Versão Completa do artigo "5 Desafios para Reinventar a Política
do ponto de vista da sustentabilidade"

ARTICULAR E ANIMAR REDES DISTRIBUÍDAS DE PESSOAS
Augusto de Franco

Com exceção da compulsória obediência às leis democraticamente aprovadas, qualquer tipo de centralismo, ou seja, de exigência incondicional de obediência à vontade do chefe ou de um comando colegiado, mesmo que seja à vontade de uma instância eleita, introduz um mecanismo autocrático, ainda quando se refira a questões decididas por ampla maioria. Decisões democráticas devem ser acatadas por aqueles que concordam com elas ou que, mesmo discordando do seu conteúdo ou da sua forma, admitem, entretanto, a necessidade de acatá-las em função de valores e objetivos que estimam estar em jogo, cabendo ao processo democrático ensejar a possibilidade de convencimento ou de geração de decisões as mais consensuais possíveis. Assim, nenhuma organização política de adesão voluntária que imponha, por exemplo, fidelidade aos seus membros mediante sanção ou ameaça do uso de sanção pode ser democrática, uma vez que fidelidade, na política como em qualquer outro campo da atividade humana, só é efetiva se for conquistada e consentida, jamais imposta. Via de regra o que está em jogo aqui não é o fortalecimento da democracia, mas o fortalecimento do poder (autocrático) dos chefes.

A centralização (como topologia da rede social), entretanto, vai muito além do centralismo (como procedimento político). A democratização é uma horizontalização – no sentido topológico de distribuição – das relações, enquanto que a centralização (tanto a monocentralização, quanto a descentralização, que na verdade é uma multicentralização) é uma autocratização. Em outras palavras, há uma relação intrínseca entre a forma (social) de conexão e o modo (político) de regulação de conflitos.

Embora a chamada ciência política ainda não tenha se dado conta da existência desse nexo conotativo entre rede social e democracia, a democratização está co-implicada no aumento da distribuição das redes sociais (e não na aposta no padrão organizativo centralizado ou multicentralizado da maioria das instituições políticas, públicas e privadas, como os partidos e os chamamos movimentos sociais, as corporações, os sindicatos, as associações ou outras formas tradicionais de arrebanhamento), o que significa enfocar e valorizar o cidadão desorganizado e conectado que compõe o imenso contingente da sociedade civil.

Não há como garantir que uma rede articulada voluntariamente manifestará os mesmos fenômenos que são próprios da rede social que existe em qualquer sociedade independentemente de nossos esforços organizativos (sim, o que recentemente vem sendo chamado de ‘sociedade-rede’ – e. g., Guéhenno, 1993; Castells, 1996 – se refere a qualquer sociedade, pois o que varia é a topologia e a conectividade, não o fato de ser sociedade-rede já que toda sociedade humana o é). As evidências, no entanto, mostram que, quanto mais distribuídas forem as redes que voluntariamente articulamos, mais elas conseguem se sintonizar ou se comunicar com essa rede social que existe desde que existam conexões entre pessoas, independentemente de nossos esforços organizativos (e que poderíamos chamar, como recurso explicativo, de “rede-mãe”).

As evidências mostram também que mais chances teremos de reproduzir, em redes voluntariamente construídas, os fenômenos que se manifestam na “rede-mãe” se essas redes que articulamos forem redes de pessoas (P2P ou peer-to-peer). Isto é, instituições hierárquicas conectadas entre si podem até tentar se articular em rede, mas dificilmente constituirão uma rede capaz de espelhar a “rede-mãe” – quer dizer, uma rede distribuída (P2P) – configurando-se quase sempre como estruturas conectivas com topologia descentralizada. O motivo é quase óbvio: instituições hierárquicas tendem a hierarquizar as redes de que fazem parte, que, assim, deixam de ser redes para se transformar em frentes de entidades ou em coligações de organizações tradicionais e, às vezes, em holdings.

Para a democracia não se trata de sonhar com coisas ideais, irrealizáveis, e sim de mudar a forma como nos comportamos política e administrativamente em termos orgânicos. É bom repetir: trata-se de mudar a matriz de projetos, programas e ações governamentais e não-governamentais em todos os níveis. Tudo ou quase tudo que organizamos atualmente a partir do padrão-mainframe, pode ser reorganizado segundo um padrão-network.

Quem faz netweaving faz, pois, democracia. Afinal, é necessário reconhecer que tinha razão o pioneiro das redes, Robert Muller, quando escreveu há mais de 20 anos: “conforme caminhamos para o terceiro milênio, talvez a participação em networks se torne a nova democracia, um novo elemento importante no sistema de governança, um novo modo de vida nas complexas e miraculosas condições globais do nosso estranho e maravilhoso planeta vivo, girando e circulando no universo prodigioso em uma encruzilhada de infinidade e eternidade”.

Os netweavers são os "tecelões" (para aproveitar uma expressão de Platão, no diálogo “O Político”, que poderia ter sido feliz se não se referisse ao homem régio, possuidor da ciência régia da política) e os animadores de redes voluntariamente construídas. Na verdade, eles constroem interfaces para "conversar" com a "rede-mãe". Os netweavers não são necessariamente os estudiosos das redes, os especialistas em Social Network Analysis ou os que pesquisam ou constroem conhecimento organizado sobre a morfologia e a dinâmica da sociedade-rede. Os netweavers, em geral, são políticos, não sociólogos. E políticos no sentido prático do termo, quer dizer, articuladores políticos, empreendedores políticos e não cientistas ou analistas políticos.

Nos sistemas representativos atuais os políticos, entretanto, não são netweavers e sim, exatamente, o contrário disso: eles hierarquizam o tecido social, verticalizam as relações, introduzem centralizações, obstruem os caminhos, destroem conexões, derrubam pontes (ou fecham os atalhos que ligam um cluster a outros clusters, separando uma região da rede de outras regiões), excluem nodos; enfim, introduzem toda sorte de anisotropias no espaço-tempo dos fluxos. Fazem tudo isso porque o tipo de poder com o qual lidam – o poder, em suma, de mandar alguém fazer alguma coisa contra a sua vontade – é sempre o poder de obstruir, separar e excluir. E é o poder de introduzir intermediações ampliando o comprimento da corrente, dilatando a extensão característica de caminho da rede social ou aumentando os seus graus de separação (ou seja, diminuindo a conectividade). Não é por outro motivo que os políticos tradicionais funcionam, via de regra, como despachantes de recursos públicos, privatizando continuamente capital social. Pode-se dizer que, nesse sentido, os políticos tradicionais são os anti-netweavers, na medida em que contribuem para tornar a rede social menos distribuída e mais centralizada ou descentralizada (isto é, multicentralizada).

Também não é a toa que todas as organizações políticas – mesmo no interior de regimes formalmente democráticos – têm topologia descentralizada (quer dizer, mais multicentralizada do que distribuída). Essa também é uma maneira de descrever, pelo avesso, o papel dos netweavers.

É claro que a "culpa" por esse comportamento "desenredante" não é dos políticos tradicionais individualmente. Eles são "produzidos" pelo próprio sistema político na medida em que esse sistema não está suficientemente democratizado. Em outras palavras, quanto mais democratizado estiver o sistema político mais o agente político atuará como um netweaver; e vice-versa.

Para articular e animar uma rede distribuída (netweaving) você precisa apenas conectar pessoas em torno de um propósito ou de uma causa. Por exemplo, se a sua causa for o desenvolvimento de uma localidade, você precisa apenas conectar todos os participantes de programas de desenvolvimento, governamentais ou não-governamentais, que existam na localidade. Mas a rede não deve se restringir a tais pessoas; pelo contrário: (no caso, do desenvolvimento comunitário) ela deve ser ampliada com todos aqueles que quiserem colaborar com o trabalho. Muita atenção, porém: trata-se de uma rede de pessoas, não de entidades, instituições ou organizações.

(Se você quiser ter acesso a uma metodologia simples de articulação e animação de redes – netweaving – aplicável à redes de desenvolvimento comunitário, clique no link:
http://augustodefranco.locaweb.com.br/publicacoes_comments.php?id=103_0_4_0_C ).

Demos aqui o exemplo de uma rede de desenvolvimento comunitário. Mas tudo isso vale também para redes voluntárias de participação política (como, por exemplo, a Rede de Participação Política do Empresariado, uma experiência interessante que está sendo desenvolvida no Brasil a partir de 2006 com o apoio da Federação das Indústrias do Estado do Paraná).

As redes de participação política podem, aliás, cumprir um papel importantíssimo na reinvenção da política, em especial em países como o Brasil, onde – ao contrário do que ocorre em outros países da Europa e da América – os partidos ainda detêm o monopólio legal do fazer político. Para assumir um cargo executivo ou legislativo no nosso sistema representativo, uma pessoa deve se filiar a um partido. E, ao fazer isso, um ator isolado certamente não terá forças para contrarrestar a tendência burocrática dominante no interior dos partidos, nem terá condições de quebrar o caciquismo vigente, que transformou os partidos em verdadeiros domínios feudais dos chefes políticos.

É muito difícil transpor tal obstáculo uma vez que as regras que concentram poder no topo da pirâmide organizativa dos partidos estão amparadas por uma legislação antidemocrática (que não será mudada por qualquer reforma política feita pelos interessados em mantê-la). Assim, é praticamente impossível mudar o comportamento partidário por meio da entrada, mesmo em massa, de novos filiados nos partidos que aí estão, a menos que tais filiados estejam suficientemente organizados e capacitados para tanto. E quem fará isso?

Bom, aqui também começamos a tangenciar uma possível solução. Se quisermos potencializar uma vertente de mudança da velha política de baixo para cima é necessário articular programas mais amplos de reforma da política que conectem milhares de cidadãos em torno de uma plataforma básica de ética na política, de defesa da democracia e de promoção do desenvolvimento.

Mas tudo indica que não adianta fazer isso criando um novo partido. Diante das regras, dos procedimentos e dos padrões organizativos hoje vigentes, um novo partido logo sucumbirá à lógica dos velhos partidos, deixando-se contaminar pelo ambiente deletério reinante. É necessário, portanto, fomentar novas formas organizativas, necessariamente segundo um padrão de rede e não hierárquico-burocrático, capazes de inspirar comportamentos mais éticos, mais democráticos e mais comprometidos com o desenvolvimento humano e social sustentável e capazes de funcionar como espécies de “meta-partidos”. Pessoas vinculadas a essas redes voluntárias de participação política cidadã poderão então entrar nos partidos que existem e se candidatar a cargos diretivos internos e a cargos representativos externos. Mas só conseguirão fazê-lo se estiverem suficientemente empoderadas por articulações que estão fora do domínio dos chefes tradicionais, os quais, como sabemos, não têm qualquer interesse na mudança das concepções e das práticas políticas vigentes.

(Para entrar em contato com essa temática (ou problemática), é impossível deixar de ler, por exemplo, o livro seminal de Pierre Levy (1994): “A inteligência coletiva”; o livro de Steven Johnson (2001): “Emergência”; o livro de Manuel Castells (2001): “A galáxia da Internet”; e dois textos recentes de David de Ugarte: “11M. Redes para ganar una guerra” (2006) e “El poder de las redes” (2006). Vale a pena explorar também (e levar a sério) a metáfora “The Matrix”, não apenas assistindo a trilogia, mas lendo a coletânea: Irwin, William (org.)
(2002). “Matrix: bem-vindo ao deserto do real”.)

terça-feira, 10 de novembro de 2009

JPPS.Jornalismo de Políticas Públicas Sociais, uma realização NETCCON.UFRJ e ANDI


Nesta segunda, 16.11.2009, das 9h30m às 13h-Entrada Gratuita!
Auditório da CPM-ECO.UFRJ, Campus da Praia Vermelha, ao lado da piscina


A Urgência da Agenda Social das Olimpíadas 2016: lições de Betinho
Palestra de Itamar Silva
A questão é “quem” e “o quê” vai ganhar com as Olimpíadas. Como agir para que vigore a Agenda Social 2016?


Na próxima segunda, dia 16, das 9h30m às 13h, o JPPS, o curso de extensão de Jornalismo de Políticas Públicas Sociais oferecido pelo NETCCON-Núcleo de Estudos Transdisciplinares de Comunicação e Consciência.ECO.UFRJ, em convênio com a ANDI, tem a alegria de receber para uma conversa Itamar Silva, coordenador do Ibase-Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, sobre os nós da cidade do Rio de Janeiro para fazer vigorar de fato uma Agenda Social das Olimpíadas 2016 em um cenário que começa a ser delineado com a ameaçadora aprovação do Projeto de Estruturação Urbana das Vargens. Itamar vai lembrar da Agenda Social construída pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, à época da candidatura para as Olimpíadas de 2004.

Para ele, “sem dúvida, o Rio de Janeiro vai ganhar com as Olimpíadas. A questão é “quem” e “o quê” vai ganhar. Não podemos deixar de recorrer a uma memória recente: o Rio sediou os Jogos Pan-americanos, em 2007, e o discurso era que haveria um grande investimento na cidade, com construção de um “legado social”. O que vimos foi “mais do mesmo”: investimentos grandes na área da Barra da Tijuca, ganhos para o mercado imobiliário e pouca atenção voltada para a maioria da população -investimento em transportes, valorização de áreas degradadas. Contraditoriamente, houve pressão sobre os mais pobres.”

Entrevista de Itamar Silva à Jamile Chequer, com a colaboração de Diego Santos.

O NETCCON agradece por esta realização em especial a Claudius Ceccon e Ana Cristina Bittencourt.

Maiores informações
evouriques@terra.com.br e 21.9205.1696

http://www.ibase.br/modules.php?name=Conteudo&pid=2768
Entrevista Itamar Silva
Por Jamile Chequer
Colaborou Diego Santos

A cidade do Rio de Janeiro foi escolhida para sediar as Olimpíadas de 2016, desbancando concorrentes como Chicago, Tóquio e Madri. A euforia da população – mostrada em todos os meios de comunicação – começa a dar lugar a questionamentos sobre as possíveis contrapartidas sociais que um evento como esse poderia gerar. Como fazer para que os investimentos nas Olimpíadas gerem benefícios para a sociedade como um todo? Na entrevista, o coordenador do Ibase Itamar Silva fala sobre os nós que a cidade enfrenta e lembra da Agenda Social, construída pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, à época da candidatura para as Olimpíadas de 2004.

Ibase – Há a percepção de que o Rio de Janeiro é uma cidade violenta e de que essa violência está ligada às favelas. Assim, há a preocupação de que a cidade não tenha capacidade de sediar as Olimpíadas. Você acredita que esse imaginário poderá resultar em mais repressão nos morros, com a morte de pessoas inocentes?

Itamar –
No conflito do Morro dos Macacos, vimos um número considerável de mortes, e a grande preocupação é: o que os outros estão pensando da nossa cidade? Ninguém para para pensar como fica a situação dos moradores da favela, que têm um helicóptero sobrevoando suas casas, tiro “comendo” e tantos mortos. Isso é pavoroso. Essa dimensão de solidariedade com o morador de favela foi sobrepujada pela imagem negativa que a cidade estaria mostrando para o mundo. Isso vai criando um clima que é quase um cheque em branco para a atuação mais violenta da polícia.

De lá pra cá, quantas pessoas morreram por causa da atuação dita “mais forte” da polícia. Essa foi a expressão usada pelo Beltrame [José Mariano Beltrame, Secretário de Estado de Segurança Pública do Rio de Janeiro]. Tudo se justifica por conta da defesa da ilusão de uma cidade que resolveu seus problemas. As Unidades Pacificadoras foram vendidas como o grande achado da sociedade brasileira para resolver a questão da violência. Se esquecem que esse é um problema muito mais complexo, não se resolve apenas em uma localidade e nem com um grupinho de policiais; o problema está espalhado na cidade, espalhado dentro da própria polícia.

O pior é que tem gente que acredita no discurso do secretário de Segurança e que a questão se resolve com dinheiro e equipamentos de guerra. Tenho dúvidas se colocar maior poder de morte na mão da polícia ajuda ou resolve o problema. Precisamos abrir o debate. O meu grande medo é que a questão das Olimpíadas e a necessidade de blindar o Rio de Janeiro justifique atrocidades como a remoção de favelas, passando pelo enfrentamento direto nas favelas, pelo investimento desproporcional. Essa abordagem é prejudicial para quem acredita em uma cidade realmente inclusiva. O grande caminho passa pela mobilização, diálogo e explicitação das propostas.

Ibase – Com as Olimpíadas, a cidade colheria frutos pelo menos por uma década, de acordo com as visões mais otimistas. Você concorda?

Itamar – Sem dúvida, o Rio de Janeiro vai ganhar com as Olimpíadas. A questão é “quem” e “o quê” vai ganhar. Não podemos deixar de recorrer a uma memória recente: o Rio sediou os Jogos Pan-americanos, em 2007, e o discurso era que haveria um grande investimento na cidade, com construção de um “legado social”. O que vimos foi “mais do mesmo”: investimentos grandes na área da Barra da Tijuca, ganhos para o mercado imobiliário e pouca atenção voltada para a maioria da população – investimento em transportes, valorização de áreas degradadas. Contraditoriamente, houve pressão sobre os mais pobres.

Em 2000, às vésperas do “Pan”, tentou-se remover o Canal do Anil; duas favelas pequenas na Barra foram removidas. A pressão sobre o território ocupado pelos mais pobres vai continuar acontecendo em 2016. Os focos serão Barra da Tijuca, alguma coisa em Deodoro e orla. Não tem muita novidade. Falam em levar o metrô até a Barra, mas a pergunta é: essa é a maior necessidade? Basta vir ao Centro da cidade e pensar em quantas pessoas se deslocam para a zona oeste pobre, a Barra é a zona oeste rica. O que poderia ser feito em termos de deslocamento com esse investimento?

Não tenho ilusões, acho que vamos viver no Rio anos de muitos investimentos na área da Barra da Tijuca e de muitas ameaças a algumas favelas. Não é à toa que o prefeito já sinalizou que a localização da equipe de comunicação das Olimpíadas será onde está localizada a Vila Autódromo, que é uma comunidade histórica na zona oeste.

Ibase – A Agenda Social Rio foi criada, em 1996, para as Olimpíadas de 2004 e previa a união entre sociedade civil e Estado. Treze anos depois, a cidade é escolhida para sediar os jogos. Quais das metas estabelecidas foram alcançadas?

Itamar – As metas eram: esporte e cidadania jogando no mesmo time; educação de qualidade para todas as crianças e jovens; todas as crianças bem alimentadas; favelas urbanizadas, integradas à cidade; ninguém morando na rua. Se a gente pensar nessas cinco metas, podemos dizer, sem errar, que nenhuma delas foi alcançada.

Existem novidades que não têm a ver com a história do Rio de Janeiro. Em relação à alimentação, por exemplo, avançamos no direito à alimentação. Hoje, temos uma PEC [Proposta de Emenda Constitucional] em tramitação no Congresso, mas estamos longe de alcançar a meta de ver todas as pessoas bem alimentadas. Quando assistimos “Garapa” – filme do cineasta José Padilha, produzido com o apoio do Ibase –, a sensação é de soco no estômago. Mesmo com uma política social focada nos mais pobres, ainda estamos longe de resolver os problemas mais dramáticos da nossa população. Se olharmos para as favelas do Rio de Janeiro, a promessa de política pública, que era o Favela Bairro, ficou pelo caminho; é incompleta porque não investe em moradia, mas em estrutura e equipamentos comunitários. Mesmo isso está paralisado ou muito aquém da necessidade da cidade. A meta de não ter ninguém morando nas ruas também está longe de ser alcançada. Se, em 1996, existia um debate forte em torno da população de rua e da busca de alternativas, houve, depois, poucos avanços em termos de políticas públicas, houve pouco avanço no debate com a sociedade.

O Betinho era um visionário, ele estava falando de metas complexas e estruturantes, no entanto, acredito que o país, o estado e a cidade do Rio foram incapazes de dar conta dessas metas.

Ibase – A sociedade civil e o governo continuam avançando e se qualificando para pensar caminhos possíveis para alcançar essas metas?

Itamar –
Acredito que, do ponto de vista da sociedade civil, houve enfraquecimento no enfrentamento dessas questões. Quando penso na população de rua, vejo que perdemos tonicidade, fôlego. Temos menos entidades e movimentos enfrentando essa questão diretamente do que nos anos 1990. Se olho para a questão de favelas, não vejo nada que revele o fortalecimento da sociedade civil. É claro que sempre existem iniciativas, pequenas e frágeis diante do que precisamos enfrentar.

Ibase – O maior nó é transformar a lógica capitalista de um evento como esse em uma lógica cidadã...

Itamar –
A história dos grandes eventos no mundo mostra que eles deixam mais problemas que soluções. Todas as grandes cidades por onde as Olimpíadas passaram ficaram com um buraco. Fala-se muito de Barcelona, mas a questão é que há um investimento continuado de quase 20 anos. Atenas tem um buraco enorme, além de déficit financeiro, existem fantasmas, grandes equipamentos sem uso. Aqui, temos exemplos como o Parque Aquático Maria Lenk, que está em desuso por não ser bem-planejado. Poderiam ter sido planejados investimentos em natação para muitos adolescentes e jovens, mas isso não ocorreu. É preciso mudar a lógica, mudar a concepção. Precisa haver mobilização em massa, cada bairro, cada aspecto precisa ganhar visibilidade para se fortalecer e ser expressão desse ânimo cidadão na cidade. Acho que vamos começar a viver um momento ufanista, precisamos reverter esse sentimento em um ufanismo cidadão, como Betinho dizia: “É preciso ter uma cidade digna de seus cidadãos.” Precisamos criar algumas instâncias de cobrança.

Ibase – Há alguma forma de a sociedade civil fazer cumprir metas antigas e novas estabelecidas pelos governos, além de se antecipar para a construção de, pelo menos, um diálogo respeitoso com as pessoas que correm o risco de ser removidas?

Itamar –
Sou otimista, então, acredito que sempre é possível fazer alguma coisa. A sociedade pode, e deve, dar uma resposta a essa ausência de propostas no campo social, a agenda é pífia e está longe do desejado para uma cidade como o Rio de Janeiro. Precisamos de uma articulação forte em torno da cobrança de transparência, do monitoramento das cifras destinadas a esse projeto. Depois, é necessário focar em alguns aspectos, como o transporte. É fundamental aproveitar para articular um debate sobre transportes públicos e de massa no Rio de Janeiro. Como garantir que esta cidade seja boa para todos, pobres, ricos e medianos? Outro aspecto é pensar que os investimentos na construção de vilas olímpicas têm de estar espelhados no desafio que temos de encarar o déficit habitacional na cidade. Não seria este o momento de pensar em como ocupar os grandes vazios urbanos, como ocupar as várias unidades habitacionais, que estão desperdiçadas, e como combinar isso com aqueles que precisam de moradia? Temos que pensar claramente que os investimentos direcionados às Olimpíadas têm de estar ligados às questões urbanísticas e sociais. Daí, é partir para pegar os nexos, juntar grupos de interesse, envolver atores diferenciados na sociedade. Para isso, acredito que as organizações da sociedade civil têm o papel de marcar o passo, de tomar a iniciativa. Os empresários virão à reboque, se houver uma mobilização capaz de chamar a responsabilidade cidadã deles.

Publicado em 30/10/2009.

Itamar Silva é
Coordenador da Linha Programática Direito à Cidade e da Linha Programática Juventude e Democracia
do Ibase – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas

Principais atividades:

Coordenação da Pesquisa Nacional Juventude Brasileira e Democracia: participação, esferas e políticas públicas, desenvolvida em 8 Regiões Metropolitanas do Brasil – Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Salvador, Recife e Belém. Esta pesquisa é uma parceira com duas instituições canadense IDRC ( Centro Internacional de Pesquisas para o Desenvolvimento) e CPRN (Rede Canadense de Pesquisa em Políticas Públicas) que se utiliza da metodologia do “ChoiseWork Dialogue” , articulando a pesquisa quantitativa e a qualitativa e baseando os resultado no diálogo entre os envolvidos.

Coordenação da pesquisa “Juventude e Integração Sul-Americana: caracterização de situações tipo e organizações juvenis” (2007) e “Juventudes Sul-Americanas: Diálogos para a construção de Democracia Regional” (2008/09), desenvolvidas em parceria com o Instituto Pólis e com apoio do IDRC – Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento Internacional

Acompanhamento da pesquisa: Rompendo o Cerceamento da Palavra: A voz dos favelados em busca de reconhecimento. Objetivo: abrir espaço para o debate em torno da violência, a partir daqueles que vivem nas favelas do Rio de Janeiro.
Parcerias: IUPERJ, UFRJ, UERJ E UFF (2007)

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

WWF

Relatório aponta que ações brasileiras contra desmatamento

são boas para o clima e para a economia

O combate à destruição florestal e a criação de unidades de conservação na Amazônia brasileira estão entre as políticas públicas mais eficientes na área de clima, energia e meio ambiente tanto do ponto de vista ambiental e como econômico. Esse é um dos resultados do relatório Scorecards das Melhores e Piores Políticas para um Novo Acordo Global, que analisa cerca de 100 políticas climáticas adotadas pelos países do G20, responsáveis por aproximadamente 75% das emissões globais de gases de efeito estufa.

O estudo mostra que essas políticas não apenas reduzem as emissões de gases de efeito estufa, mas também trazem outros benefícios ambientais e diversificam a economia. O documento foi produzido pela empresa de consultoria Ecofys e pela organização não governamental (ONG) Germanwatch para a Rede WWF e a ONG E3G.

As políticas brasileiras de redução do desmatamento na Amazônia ocupam o 6º lugar no ranking feito pelo relatório. O relatório avaliou o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, do governo brasileiro, e a criação de áreas protegidas.

Uma das grandes contribuições para essa ótima colocação brasileira é a implementação do Programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa), apoiado pelo WWF-Brasil. Entre 2003 e 2008, foram criadas 148 unidades de conservação, protegendo 640.000 km2, duas vezes e meia a área do estado de São Paulo. Desse total, 63 unidades de conservação tiveram o apoio direto do Programa Arpa. Além disso, entre 2004 e 2007, a taxa anual de desmatamento na Amazônia caiu 59% em consequência de uma série de políticas públicas ligadas à fiscalização e ao ordenamento territorial.

"Conservar as florestas protege a biodiversidade, assegura os serviços ambientais e a qualidade de vida dos povos da floresta, além de contribuir para o clima do planeta e trazer benefícios para a nossa economia", explica Denise Hamú, secretária-geral do WWF-Brasil.

"Mas é importante lembrar que esses ganhos reais mostrados pelo relatório podem estar em risco por causa da ameaça atual de um ataque à legislação ambiental brasileira", explica Hamú.

Recentemente, a bancada ruralista no Congresso Nacional se reuniu mais uma vez para tentar votar um projeto de lei que desfigura o Código Florestal. As mudanças em discussão na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados poderão levar a um aumento das emissões brasileiras de gases de efeito estufa e poderão voltar à pauta de votação a qualquer momento.

"Essa ação bate de frente com as políticas de redução e controle do desmatamento e de valorização da floresta em pé", diz Carlos Rittl, coordenador do programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil. "Além disso, estão em contradição com as recentes aprovações, no próprio Congresso Nacional, da Política Nacional de Mudança do Clima e do Fundo Clima."

Também na semana passada, o WWF-Brasil e outras 38 entidades brasileiras enviaram uma carta ao presidente Lula pedindo que ele e seus ministros conclamem todos os países a seguirem até Copenhague com o objetivo de selar o acordo climático com força de lei pelo qual o mundo espera.

Na terça-feira (3/11), o presidente Lula teve uma reunião com vários ministros para definir o que será apresentado como medidas internas de redução de emissões, mas nada foi resolvido e o plano deve ser definido apenas no próximo dia 14.

"O Brasil tem condições de apresentar metas internas ousadas em vários setores da economia, e não se limitar à meta assumida no Plano Nacional de Mudanças Climáticas no ano passado, que se refere apenas a combate ao desmatamento", afirma Rittl. "É uma pena que o presidente não tenha anunciado os compromissos do Brasil. Estamos nos últimos dias de negociação antes de Copenhague e, com certeza, teria um efeito muito positivo no avanço das discussões", completa.

Outras políticas efetivas para o clima ao redor do mundo

O relatório apresentado pela Rede WWF mostra também outros bons exemplos de políticas governamentais no mundo para a redução das emissões de gases do efeito estufa.

Os primeiros lugares no ranking pertencem a política de construções eficientes e a de tarifas de feed-in para energia renovável do governo alemão, um sistema de incentivos para acelerar a adoção de energia renovável via políticas públicas federais.

O programa de construções reduz as emissões, gera empregos e ainda pode servir de modelo para outros países. Também foi citado no documento o sistema de transporte mexicano chamado Bus Rapid Transit (BRT). Isso mostra que as soluções verdes têm forte potencial para aumentar o conforto e a qualidade de vida, fatores importantes para o crescimento rápido de economias emergentes. No Brasil também há sistemas precursores desse modelo como os corredores de ônibus de Curitiba e de Goiânia, por exemplo.

Esses exemplos nos mostram que além da redução do desmatamento e da conservação das florestas podemos melhorar e inovar em muitas áreas e assumir uma liderança real para uma economia de baixo carbono.



O WWF-Brasil é uma organização não governamental brasileira dedicada à conservação da natureza com os objetivos de harmonizar a atividade humana com a conservação da biodiversidade e de promover o uso racional dos recursos naturais em benefício dos cidadãos de hoje e das futuras gerações. O WWF-Brasil, criado em 1996 e sediado em Brasília, desenvolve projetos em todo o país e integra a Rede WWF, a maior rede independente de conservação da natureza, com atuação em mais de 100 países e o apoio de cerca de 5 milhões de pessoas, incluindo associados e voluntários.