segunda-feira, 6 de julho de 2009

Literatura: A vez da Amazónia chegou, diz o escrito de Manaus Milton Hatoum

**** Fabíola Ortiz, da agência Lusa ****

Rio de Janeiro, Brasil, 06 Jul (Lusa) - Chegou a vez da Amazónia, disse à Lusa o escritor Milton Hatoum, considerado pelos críticos um dos principais escritores brasileiros contemporâneos, ao referir que está a ser superada a barreira do isolamento e do exotismo da região amazónica, onde nasceu.

“O Brasil é Amazónia, tem a região para ser conhecida, só se fala na Amazónia agora. Ela está a influenciar o destino do planeta onde tem 20 por cento da água doce do planeta. Não sou paranóico, mas a Amazónia será extremamente cobiçada de forma mais conflituosa”, ressaltou o escritor nascido em Manaus.

Descendente de libaneses e professor de literatura na Universidade da California e no Amazonas, Hatoum é autor de três romances, um deles distinguido com o Prémio Portugal Telecom de Literatura em 2006 (com a obra “Cinzas do Norte”). Hatoum participou da edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que terminou domingo.

Ao explorar, nos seus romances, a diversidade da Amazónia e a multi-culturalidade de suas origens, Milton Hatoum critica, que reivindica para si o estatuto de regionalista, critica o regionalismo na literatura e diz que não vê o Norte do Brasil com estranheza e exotismo.

“O que é exótico para uns, não é para outros. A natureza da Amazónia, essa região superlativa, para mim, é o lugar onde eu nasci, é um dos meus lugares. Eu não vejo com tanta estranheza como outras pessoas de fora ou como o mundo todo vê".

Hatoum, que se considera ser o mais regionalista dos escritores e critica o regionalismo por ser um termo pejorativo, limitador e por tornar-se um “estigma”.

“Eu sou um regionalista feliz e totalmente globalizado. O mais globalizado dos regionalistas. A pergunta sobre regionalismo não se coloca em outros países, só no Brasil. No fundo, não importa onde é situado o romance, se em Nova Iorque, Paris, Londres, São Paulo, Rio de Janeiro ou na selva. Não é garantia de nada”.

Segundo o autor, o que mostra a qualidade de um livro é a linguagem e não o cenário da selva. E argumentou: “pode ser a coisa mais exótica, mas se a linguagem não convencer, se não produzir o efeito do real, se não tiver vigor, não adianta nada”.

Nas suas obras, Hatoum explora diversas identidades ao reunir comunidades de imigrantes libaneses, judeus marroquinos, nativos, indígenas e portugueses.

Apesar de não se prestar a escrever romances históricos ou políticos, o autor demonstra a preocupação de inserir sentido histórico nos seus romances, como a ditadura militar no Brasil ou o ciclo da borracha na Amazónia, no século XIX.

“De uma forma, a história está muito presente na vida dos personagens, nas suas ambições. O sentido histórico está mesmo que seja dissimulado, oculto”.

Na literatura, Hatoum considera que o sentido histórico para o romance é fundamental. “Hoje há uma tendência de o escritor ser uma espécie de globe trotter, de cidadão do mundo, mas sem nenhuma raiz. Como se pertencesse a tantos lugares que no fim não se pertence a lugar nenhum”.

Como autor regionalista, Milton Hatoum diz-se muito contente por a sua recente obra, a novela “Órfãos do Eldorado”, será traduzida em 16 idiomas, inclusive para chinês e russo.

A Flip é o maior evento literário do país e reuniu, entre 2 e 5 de Julho numa das mais antigas e históricas cidades brasileiras, cerca de 25 mil pessoas que assistiram à programação, que incluiu 34 autores convidados.

(Lusa/Fim)

Brasil: "Para escrever tem que ter dentro de si um Mané Garrincha" - António Lobo Antunes

Rio de Janeiro, Brasil, 05 Jul (Lusa) – Se alguém quer ser escritor deveria ver por dez minutos o jogador brasileiro Mané Garrinha jogar à bola, pois “não sai do corpo, sai da alma”, disse o autor português António Lobo Antunes na Feira Literária Internacional de Paraty (FLIP).

“Para escrever tem que ter dentro de si um Garrincha. É muito difícil, tem que fazer um esforço”, afirmou o vencedor do prémio Camões em 2007 perante um público de centenas de pessoas que se reuniram para ouvir Lobo Antunes, o destaque da feira literária que termina hoje.

De acordo com o autor português, escrever é um trabalho impossível, por se “trabalhar com coisas que são intraduzíveis em palavras, coisas anteriores às palavras que são as emoções, os impulsos e o grande problema é como transformá-los em palavras, transformar a linguagem das emissões numa linguagem que não se exprime através das palavras”.

Para Lobo Antunes, que publicou 21 romances num período de 30 anos, um livro é um “organismo vivo” que tem as suas leis, a sua fisionomia, o seu carácter, temperamento, “tal como um homem e uma mulher”.

Um livro tem que ser uma “enorme metáfora, porque todo grande livro é, entre outras coisas, humano, uma reflexão profunda e constante sobre a arte de escrever”, sublinhou.

O autor, que não vinha ao Brasil desde 1983, disse que o seu primeiro contacto com a literatura foi a partir de autores brasileiros como Machado de Assis, José de Alencar, Aluísio Azevedo, Manuel Bandeira e Monteiro Lobado.

O escritor português reconheceu que escrever é “muito difícil”, mas referiu que quando o livro é bom, “faz-se sozinho, é tentar tornar a sua mão feliz, se ela está feliz o livro sai”.

Lobo Antunes disse ao público que sua única regra antes de começar a escrever é impor a si mesmo “desafios impossíveis”: “vou escrever um livro que não sou capaz de escrever, tem que se pôr desafios cada vez mais intensos”.

“Quando comecei a escrever com cinco anos era maravilhoso, as palavras faziam sentido uma atrás da outra. Aos 15 anos, você descobre que há uma diferença entre escrever bem e mal e, depois dos 20, você percebe que há uma diferença ainda maior entre escrever bem e uma obra-prima”, sublinhou.

Para Lobo Antunes, escrever é, sobretudo, um regime de reescrever que requer uma atitude de “humildade”. “Se calhar o sucesso não é mais do que um fracasso adiado”, disse.

Com 66 anos, Lobo Antunes tem falado da possibilidade de parar de escrever. “Você pensa que não é capaz e, ao mesmo tempo, é a razão de vida”, explicou.

Ler dá muito mais prazer, salientou, destacando que a leitura é um acto “extremamente criativo” e que deve ser feita de sonhos, pesadelos, “é a vida”.

O que continua a mover o autor é a inquietação e a insatisfação de escrever um outro livro para corrigir o anterior. “Ficamos sempre aquém daquilo que queríamos dizer, é grande a frustração para quem trabalha com palavras”, afirmou.

Lobo Antunes foi aplaudido de pé por centenas de pessoas que assistiram à sua intervenção “Escrever é preciso” na FLIP e ficou visivelmente comovido com a interacção e o reconhecimento do público.

A sua última obra “Arquipélago da Insónia” ainda não foi publicada no Brasil. E ainda este ano, deverá ser lançado em Portugal “Que cavalos são aqueles que fazem sombra no mar?”, sem previsão de publicação no Brasil.

Neste mês, o autor lança no Brasil pela Alfaguara dois livros, “Explicação dos Pássaros” (1981) que considerou um romance, e “Meu Nome é Legião” (2007), sobre o qual disse não saber bem que estilo é.

(Lusa/Fim)

Brasil: Cultura criminal tornou-se parte da América Latina - norte-americano Jon Lee Anderson

Rio de Janeiro, Brasil, 04 Jul (Lusa) - A cultura criminal tornou-se parte do continente latino-americano disse hoje o jornalista norte-americano Jon Lee Anderson, presente na Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), ao criticar a ausência de um Estado de direito na sociedade.

Considerado um dos mais importantes jornalistas de guerra, Jon Lee Anderson é colaborador da revista norte americana The New Yorker e dedicou grande parte de sua carreira à cobertura de conflitos na América Latina e no Médio Oriente tendo publicado vários livros de reportagem e a biografia de Che Guevara.

Na FLIP que decorre até dia 5, Lee Anderson afirmou que a criminalização da sociedade é uma característica na América Latina e disse ter se surpreendido ao voltar ao Brasil, pois a droga não era algo tão presente na vida social.

“A sociedade vive numa situação desconfortável em relação à droga. Fiquei chocado com essa proximidade quando voltei ao Rio de Janeiro e ao Brasil”, afirmou.

Na tentativa de compreender as realidades, a falta de um Estado de direito, segundo o jornalista norte-americano, gerou uma guerra, “isso é uma guerra civil”. Mas ponderou que nestes conflitos intitulados “guerra contra as drogas”, morre muita gente.

Ele compara ainda à Colômbia o momento actual que vive o Rio de Janeiro, onde muitas favelas e comunidades pobres são controladas por grupos paramilitares.

“As milícias que tomam as favelas são a versão local do que aconteceu na Colômbia. Os traficantes são muito parecidos com os guerrilheiros, eles são o mesmo reflexo, não há um Estado de direito ali”, analisa.

Além de visitar favelas cariocas, Jon Lee Anderson passou por áreas de guerrilhas e comparando com o que vê actualmente, “é algo chocante”.

“Os governos e a sociedade criam uma espécie de legitimidade. Tem uma população marginalizada, fora do sistema”.

Ele lembra que há cerca de 30 anos, um jovem e pobre na América Latina “desapontado com a sociedade” tinha uma grande probabilidade de entrar para uma guerrilha. “Agora isso mudou, houve uma revolta criminalizada. Eu nunca vi isso de modo tão óbvio. Os bandidos mais velhos dizem que hoje se tornaram meros bandidos criminais”, refere para quem a América Latina é ainda vista com idealismo.

“Mas depois desse derramamento de sangue, as gangues tomaram conta”, analisa ao criticar a política de muitos governos que “empregam diversos meios para vencer, como se fosse fácil fazer uma guerra limpa e respeitar os Direitos Humanos”.

Lee Anderson reflecte sobre uma cultura global das drogas que existe hoje no mundo e considera que não se sente pessimista quanto à situação do Brasil.

Já na Colômbia, “com uma revolta de mais de 60 anos não há mais saída”, comenta para quem “mais cedo ou mais tarde, vão ter que legalizar os narcóticos. Não há realmente uma guerra formal e deve ser tentado algo que ainda não foi, que é legalizar”.

Jon Lee Anderson um dos autores presentes na Flip que reúne outros escritores internacionais como Sophie Calle, Grégoire Bouillier, o historiador Simon Schama, os chineses, Xinran e Ma Jian, Richard Dawkins, o português António Lobo Antunes e o angolano Ondjaki.

(Lusa/Fim)

Brasil: "É preciso sentir musicalmente cada frase" - Chico Buarque

Rio de Janeiro, Brasil, 04 Jul (Lusa) – O escritor brasileiro Chico Buarque considerou, perante um público de centenas de pessoas, ser necessário sentir musicalmente cada frase, na segunda noite da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), destacando a sua «necessidade musical ao escrever».

Grande autor de Música Popular Brasileira, compositor de centenas de canções, Chico Buarque de Hollanda foi um dos destaques da sétima feira literária e falou como autor de quatro obras de ficção, em especial a mais recente “Leite Derramado”, publicado este ano pela Companhia das Letras.

Sobre o diálogo entre a música e a sua escrita, Chico Buarque disse que não há uma relação directa ao escrever, mas destacou que a “literatura resulta musical”. Referiu ainda que a sua própria música e a que ouve “tem influência clara na escrita” que produz.

“É uma música de fundo que me acompanha. Quando estou a escrever não mexo em música, não ouço música, não faço música. Mas se não estiver cantável em algum lugar da minha cabeça aquela frase ou aquele parágrafo inteiro, eu recuso”, afirmou.

Um dos expoentes da música brasileira e que também faz parte da lista de autores contemporâneos falou sobre a inspiração ao escrever o livro “Leite Derramado”, que está a ser vendido desde Março em todas as livrarias do Brasil. O livro remonta ao Brasil Republicano e reflecte sobre a solidão, tema recorrente na obra de Chico Buarque.

Com 200 páginas, “Leite Derramado” é o seu quarto livro. Narrado na primeira pessoa por Eulálio Montenegro d’Assumpção, um velho solitário preso a uma cama de hospital, a ficção desenrola-se a partir de memórias.

O cantor e também escritor disse que a fonte inspiradora foi a canção “O velho Francisco”, de 1987. “Ouvi uma canção minha que estava meio esquecida, não lembrava, e tinha uma coisa desse delírio do velho, a narrativa de um velho a contar uma história com seus lapsos de memória, com as suas repetições, com os seus esquecimentos, com as suas fixações”.

E foi neste tipo de narrativa, a partir de um velho centenário com uma “memória remota mais presente do que a memória recente encontrei o meu narrador, por causa da história da música eu quis mantê-lo vivo”, realçou.

Chico Buarque referiu ainda que o seu romance não é histórico, “mas é um romance de um homem centenário que tem as suas lembranças de infância que remetem a 1910, 1915. São as memórias que o leva cada vez mais longe, no Brasil do império e no Brasil colônia”.

Neste livro, o passado e o presente são dispostos de forma desordenada e não-cronológica. Isso, segundo Buarque de Hollanda, é uma forma “interessante de criar momentos de tensão e de contrastes”.

“A história parte do presente porque está situada no hoje e as memórias dele e da família remontam até o começo do século XIX”, disse.

Quanto à dificuldade de encontrar uma “voz narrativa”, Chico Buarque disse não ter sido fácil, mas criou uma certa empatia pelo narrador e no final do livro foi difícil “despir-se”.

“Depois que entra e fica aquela voz narrativa, foi um ano e meio sendo aquela voz, sendo um pouco aquela pessoa, um sujeito com todos esses problemas, preconceitos. Ele faz parte da tua vida, é teu parente mais velho. Depois é difícil se despir. Ele entra e tem dificuldade para sair”, explicou.

Sobre o trabalho de condensação histórica e concisão no texto ao falar de muitas situações em poucas páginas, Chico admitiu que escreve “muito devagar”.

“Eu escrevo para ler, gosto muito mais de ler do que de escrever, escrever é uma chatice. Até metade do livro, todo o dia antes de começar a escrever eu lia o livro desde o começo. O livro tem 200 páginas, mas se descontar as vezes que o sujeito repete as suas histórias, vai ficar com 20 páginas. É um livro realmente muito conciso”, sublinhou, em tom irónico.

Além de ter falado pela primeira vez em público sobre a obra, Buarque fez uma sessão de autógrafos para o seu quarto romance.

Em 1991, Chico Buarque publicou “Estorvo”, quatro anos depois “Benjamin” e “Budapeste” em 2004. Foi galardoado com o Prémio Jabuti de melhor romance e melhor livro, o mais tradicional e importante prémio literário do Brasil, pelas obras "Estorvo" e "Budapeste".

(Lusa/Fim)


Brasil: "Não venham com o Acordo Ortográfico em cima da minha palavra" - escritor angolano Ondjaki

Rio de Janeiro, Brasil, 04 Jul (Lusa) - A reforma ortográfica da língua portuguesa carece de um maior debate para a sua implementação, defende o escritor angolano Ondjaki ao questionar o conceito de lusofonia e o “falso consenso” que existe entre os países em torno do Acordo.

Ondjaki está na edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que decorre até dia 05, e foi convidado para participar num debate precisamente sobre o Acordo Ortográfico da língua portuguesa.

“Não me venham com o Acordo Ortográfico em cima da minha palavra”, realçou Ondjaki, mostrando-se contra a unificação da grafia e referir que não entendeu “bem os meandros do acordo”.

O jovem escritor, angolano representante de uma geração contemporânea de autores africanos de expressão portuguesa, disse à Lusa que, para ele, a reforma ortográfica “não faz sentido a título pessoal, é um desabafo de escritor”.

“Em quase todos os escritores, sobretudo quando se trata do conto e da poesia, há uma relação muito umbilical com a palavra. O acordo, para um escritor, fica mais duro, mais difícil de aceitar porque mexe com uma componente que é o corpo da palavra e nós temos uma relação visceral com a palavra, de ciúme, de posse”, salienta.

Ondjaki afirmou compreender que se faça um acordo, mas admite que lhe “custa”, como um poeta, aceitá-lo: “Doe-me no corpo da minha palavra que venham dar regras novas”.

O escritor diz ainda que mantém uma posição “mais contra do que a favor” e diz que gostaria de ver as coisas mais “bem explicadas” por parte de quem defende ao criticar a ausência de discussão entre os sectores da sociedade.

“Houve debate em cima de uma decisão que já estava tomada, não houve um debate que conduziu a decisão”, realçou Ondjaki para quem existe um “falso consenso” de oito países, em que apenas três deles assinaram o acordo.

“Leve o tempo que levar, há questões que têm que ser mais debatidas do que outras, não pode baixar uma lei, um decreto”.

Para Ondjaki, que se declara “satisfeito” com a sua relação linguística com os outros povos, “não resta dúvidas que é um desacordo ortográfico porque há pessoas a falar a favor e contra e ainda há uma questão em torno disso”.

Ele contra-argmenta que não tem havido um “convite a este debate” por parte de quem o promove: “Não promovem o debate, promovem o acordo, é diferente”.

Bastante crítico ao termo “lusofonia”, o jovem autor angolano que teve suas obras traduzidas para o francês, inglês e alemão afirma que o conceito lusofonia “tal qual é usado politicamente não tem eco nenhum na realidade social das pessoas”.

Na Flip, Ndalu de Almeida, nascido em Luanda, mais conhecido por seu pseudônimo Ondjaki, publica a sua mais nova obra infantil “O leão e o coelho saltitão”, pela Editora Língua Geral, além de ter lançado na última semana pela Companhia das Letras “AvóDezanove e o segredo do soviético”.

Nesta sétima edição da feira literária o homenageado é o poeta pernambucano Manuel Bandeira (1886-1968) e tem como destaque o romancista português António Lobo Antunes.

A programação oficial inclui 34 autores convidados para a feira que se realiza uma das mais antigas e históricas cidades brasileiras onde são esperadas entre 20 a 30 mil pessoas.

(Lusa/Fim)