segunda-feira, 6 de julho de 2009

Brasil: "Para escrever tem que ter dentro de si um Mané Garrincha" - António Lobo Antunes

Rio de Janeiro, Brasil, 05 Jul (Lusa) – Se alguém quer ser escritor deveria ver por dez minutos o jogador brasileiro Mané Garrinha jogar à bola, pois “não sai do corpo, sai da alma”, disse o autor português António Lobo Antunes na Feira Literária Internacional de Paraty (FLIP).

“Para escrever tem que ter dentro de si um Garrincha. É muito difícil, tem que fazer um esforço”, afirmou o vencedor do prémio Camões em 2007 perante um público de centenas de pessoas que se reuniram para ouvir Lobo Antunes, o destaque da feira literária que termina hoje.

De acordo com o autor português, escrever é um trabalho impossível, por se “trabalhar com coisas que são intraduzíveis em palavras, coisas anteriores às palavras que são as emoções, os impulsos e o grande problema é como transformá-los em palavras, transformar a linguagem das emissões numa linguagem que não se exprime através das palavras”.

Para Lobo Antunes, que publicou 21 romances num período de 30 anos, um livro é um “organismo vivo” que tem as suas leis, a sua fisionomia, o seu carácter, temperamento, “tal como um homem e uma mulher”.

Um livro tem que ser uma “enorme metáfora, porque todo grande livro é, entre outras coisas, humano, uma reflexão profunda e constante sobre a arte de escrever”, sublinhou.

O autor, que não vinha ao Brasil desde 1983, disse que o seu primeiro contacto com a literatura foi a partir de autores brasileiros como Machado de Assis, José de Alencar, Aluísio Azevedo, Manuel Bandeira e Monteiro Lobado.

O escritor português reconheceu que escrever é “muito difícil”, mas referiu que quando o livro é bom, “faz-se sozinho, é tentar tornar a sua mão feliz, se ela está feliz o livro sai”.

Lobo Antunes disse ao público que sua única regra antes de começar a escrever é impor a si mesmo “desafios impossíveis”: “vou escrever um livro que não sou capaz de escrever, tem que se pôr desafios cada vez mais intensos”.

“Quando comecei a escrever com cinco anos era maravilhoso, as palavras faziam sentido uma atrás da outra. Aos 15 anos, você descobre que há uma diferença entre escrever bem e mal e, depois dos 20, você percebe que há uma diferença ainda maior entre escrever bem e uma obra-prima”, sublinhou.

Para Lobo Antunes, escrever é, sobretudo, um regime de reescrever que requer uma atitude de “humildade”. “Se calhar o sucesso não é mais do que um fracasso adiado”, disse.

Com 66 anos, Lobo Antunes tem falado da possibilidade de parar de escrever. “Você pensa que não é capaz e, ao mesmo tempo, é a razão de vida”, explicou.

Ler dá muito mais prazer, salientou, destacando que a leitura é um acto “extremamente criativo” e que deve ser feita de sonhos, pesadelos, “é a vida”.

O que continua a mover o autor é a inquietação e a insatisfação de escrever um outro livro para corrigir o anterior. “Ficamos sempre aquém daquilo que queríamos dizer, é grande a frustração para quem trabalha com palavras”, afirmou.

Lobo Antunes foi aplaudido de pé por centenas de pessoas que assistiram à sua intervenção “Escrever é preciso” na FLIP e ficou visivelmente comovido com a interacção e o reconhecimento do público.

A sua última obra “Arquipélago da Insónia” ainda não foi publicada no Brasil. E ainda este ano, deverá ser lançado em Portugal “Que cavalos são aqueles que fazem sombra no mar?”, sem previsão de publicação no Brasil.

Neste mês, o autor lança no Brasil pela Alfaguara dois livros, “Explicação dos Pássaros” (1981) que considerou um romance, e “Meu Nome é Legião” (2007), sobre o qual disse não saber bem que estilo é.

(Lusa/Fim)

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