Por Fabíola
Ortiz
RIO DE JANEIRO – Mais uma hidrelétrica na Amazônia tem suas
obras suspensas por determinação da justiça, desta vez a construção da usina de
Teles Pires no rio de mesmo nome afluente do rio Tapajós, na divisa dos estados
do Pará e Mato Grosso, foi alvo de investigação de irregularidades apontadas
pelo Ministério Público como a falta de consulta prévia aos povos indígenas que
serão afetados pelo projeto.
O Tribunal Regional Federal da 1° Região determinou, na
última semana, a paralisação imediata das obras de Teles Pires. O mesmo
empreendimento já teve as obras suspensas no fim de março deste ano a pedido do
Ministério Público Federal (MPF) no Pará e em Mato Grosso que invalidaram a
licença de instalação concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em agosto de 2011.
Caso a
determinação seja descumprida, o consórcio Teles Pires Energia Eficiente,
vencedor do leilão de 2010 da Agência Nacional de Energia Elétrica, está
sujeito a uma multa diária de 100 mil reais (49 mil dólares).
O relator do
processo, o desembargador Souza Prudente, determinou a paralisação da
construção da usina especialmente a suspensão das explosões das rochas naturais
do Salto em Sete Quedas, um cenário ambiental situado em pleno bioma amazônico
onde existe o “Avatar do intocável Mágico Criador” da cultura ecológica dos
povos indígenas Kayabi, Munduruku e Apiaká que habitam a área.
Para o
magistrado, a licença obtida pelo consórcio para a construção da usina é
“inválida” por ter sido concedida em “desconformidade” com a legislação
ambiental. Os autos, segundo Souza Prudente, demonstram que as comunidades
indígenas que residem no local não foram regularmente ouvidas.
Esta que seria a quarta maior hidrelétrica do Brasil, com
capacidade para gerar 1.820 megawatts, acabou sendo barrada ao entrar em choque
com crenças, costumes e tradições indígenas que estão seriamente ameaçadas.
“No caso concreto, os efeitos causados pela construção da
usina são irreversíveis. Se a tutela não for concedida, não há como salvar o
meio ambiente", afirmou o relator do caso em resposta ao recurso da
companhia hidrelétrica Teles Pires, que garante que “todas as audiências
públicas foram realizadas na presença dos interessados e gravadas”, segundo a
nota divulgada pela justiça.
Inserida no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC),
iniciado no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a usina Teles Pires tem
previsão de ser concluída até agosto de 2015 a um custo estimado de 4 bilhões de reais
(1.97 bilhão de dólares) e uma área de
inundação de 95
quilômetros quadrados.
Segundo a
empresa, o empreendimento terá capacidade para abastecer uma população de 2,7
milhões de famílias.
Segundo disse Alessandra Cardoso, do Instituto
de Estudos Socioeconômicos (INESC), é difícil medir a destruição do Salto em Sete Quedas necessário para a construção da
Teles Pires, assim como o “valor cultural ancestral para o povo indígena que
habita a região e que transcende a lógica do cálculo racional e científico”.
Cardoso põe em
xeque ainda a dificuldade de mensurar as “consequências socioambientais de
milhares de migrantes que vão para a região onde será instalada uma grande obra
e quais impactos este desarranjo territorial provocará em regiões de floresta
densa, de altíssima concentração de biodiversidade, mantidas assim por conta da
ocupação dispersa e ambientalmente amigável de populações tradicionais”.
Tais questões, aponta
Cardoso, limitam a capacidade de o licenciamento ambiental dar conta com uma
“avaliação realista dos custos” e dos impactos gerados pelas hidrelétricas na
Amazônia.
Cardoso que coordena o Observatório de Investimentos na
Amazônia elaborou, em julho, o estudo ‘A Corrida por Megawatts: 30 hidrelétricas
na Amazônia Legal’, e indicou a “urgência” da ampliação do debate na sociedade.
“A determinação do governo federal em construir
hidrelétricas na Amazônia a qualquer custo e em claro desrespeito à legislação
brasileira tem levado a uma guerra judicial pela paralisação das obras”, disse.
A falta de escuta
adequada aos povos indígenas afetados, além de estudos de impacto ambiental
deficientes, assim como o descumprimento das condicionantes e dos programas socioambientais
previstos e acordados no licenciamento, são alguns do impasses, cita Cardoso.
“Teles Pires
questiona, entre outras coisas, que os povos indígenas impactados pela obra não
foram escutados e que os programas socioambientais previstos no licenciamento
não estão sendo cumpridos”, comentou.
Questionada se o Brasil precisa construir usinas na Amazônia para garantir a sua sustentabilidade
energética, Cardoso pondera que tais investimentos em hidrelétricas na floresta,
como Belo Monte, Jirau, Santo Antônio e São Luiz do Tapajós, “não estão considerando
os reais custos ambientais e sociais das obras”.
Trata-se, de acordo
com a especialista do INESC, de
uma “grande farsa dizer que o licenciamento irá dar conta de avaliar e cobrar
estes custos”.
Para “piorar este
quadro”, argumenta, o Estado brasileiro está reduzindo os custos das obras a
fim de antecipá-las e incluindo artigos no Código Florestal “para reduzir a obrigatoriedade
de compensar áreas de proteção inundadas pelas barragens”.
Para Cardoso,
devem ser avaliadas com muita cautela a “complexidade das dimensões” e dos
impactos envolvidos na construção de usinas em regiões da Amazônia, que são
áreas de grande biodiversidade, forte presença de povos indígenas e populações
tradicionais e de “ausência de equipamentos e serviços públicos adequados, o
que aumenta ainda mais a lacuna de acesso a direitos básicos como saúde,
alimentação, educação, saneamento e habitação”.
O engenheiro do Programa de Planejamento
Energético da Coppe da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Neilton da Silva, pondera que o Brasil não “deve abrir mão de seu potencial
hídrico”, mas contrapõe que este potencial deve ser feito de “uma forma mais
amigável”.
“O Brasil se
destaca no mundo porque é uma matriz de geração elétrica com quase 90% de
participação hídrica que é limpa de emissão de gases de efeito estufa. O Brasil
tem um diferencial natural que não dá para abrir mão”.
Para Silva, em entrevista, uma hidrelétrica é uma “atividade
que prejudica poucos e ajuda a muitos”.
“Não existe
produção de energia sem impactos. A questão da hidroeletricidade é ajustar os
interesses do desenvolvimento da expansão energética com as demandas locais e não
fazer como antes era feito. Muitas usinas foram construídas no regime militar. Hoje,
as questões ambientais são muitas e devem ser discutidas”, assinalou.
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