segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Pesquisa mostra os desafios da imprensa na cobertura de mudanças climáticas

Análise inédita de textos publicados em 50 jornais de 2005 a 2007 mostra que a atenção da mídia no tema se intensificou, mas falta explorar as causas e possíveis soluções para o fenômeno

A mídia ainda tem muitos desafios para aprimorar seu trabalho na cobertura de mudanças climáticas. É o que conclui a pesquisa Mudanças Climáticas na Imprensa Brasileira, que a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI) lança nesta terça-feira (15/01) com o apoio da Embaixada Britânica.

O trabalho analisou 997 textos - entre reportagens, editoriais, artigos, colunas e entrevistas, publicados em 50 jornais - de julho de 2005 a junho 2007. O material representa uma amostra dos textos veiculados sobre o tema no período. A partir dos dados coletados foi elaborado um mapa bastante detalhado do tratamento editorial dispensado pelos jornais às alterações climáticas.

O ritmo da cobertura se manteve crescente no período analisado, especialmente no ano passado. No primeiro ano da análise identificou-se um texto publicado a cada cinco dias. Essa média cresce para uma matéria a cada dois dias no primeiro semestre de 2007. "Essa pesquisa, pioneira, comprova que o tema vem ganhando cada vez mais visibilidade na imprensa brasileira, certamente influenciada por grandes acontecimentos internacionais, como o lançamento do filme Uma Verdade Inconveniente, de Al Gore, e a divulgação dos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC). Esses eventos permitiram que os jornalistas se familiarizassem com os fatos e a agenda relacionada ao fenômeno", explica Cristiane Fontes, gerente do Programa de Comunicação em Mudanças Climáticas da Embaixada Britânica.

Segundo a pesquisa, a temática esteve mais presente nos veículos de abrangência nacional (Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo, O Globo e Correio Braziliense) e econômicos (Valor e Gazeta Mercantil). Enquanto os 44 jornais de circulação regional contribuíram, na média individual, com 1,46% dos textos veiculados no período, os quatro veículos nacionais somados aos dois de cunho econômico contribuíram - também na média individual - com 5,95% das matérias publicadas. Uma diferença superior a quatro vezes.

Falta de contextualização

Apesar do incremento na cobertura, o estudo mostra que a maior parte do material ainda carece de contextualização e apresenta, portanto, muitas oportunidades de aprimoramento. Do universo analisado, por exemplo, apenas um terço aborda as causas das mudanças climáticas e aponta soluções. "Você coloca as conseqüências, mas não sublinha os antecedentes e estratégias de enfrentamento da questão. Não adianta dizer que pode haver furacões, aumento do nível do mar, sem falar o que causa os fenômenos e o que pode ser feito, seja para mitigar ou se adaptar ao problema", esclarece Guilherme Canela, coordenador de Relações Acadêmicas da ANDI e responsável pelo estudo. Segundo o especialista, mesmo o percentual de textos que mencionam o que é uma mudança climática é muito pequeno. Apenas 1,1% dos textos esclarece esse conceito ao leitor.

Com base nos resultados da análise, Guilherme Canela ressalta que a mídia exerceu pouco sua função de monitorar as políticas públicas. "Se os especialistas apontam que o Brasil ainda não possui ações na área, isso não é desculpa. A imprensa não pode falar sobre o que não existe, mas pode fazer uma cobertura de cobrança", diz. De acordo com o estudo, dos 997 textos analisados, apenas 3% levantam a responsabilidade do governo, 0,9% do setor privado e 0,25% da sociedade civil.

Desenvolvimento fora do debate

A pesquisa Mudanças Climáticas na Imprensa Brasileira revela que menos de 15% do material relaciona o tema à agenda do desenvolvimento, apesar da importância dessa conexão para o debate sobre a busca de soluções. Segundo a análise, a perspectiva ambiental é a principal forma pela qual a mídia reporta a questão (35,8% dos textos), seguida pelo enfoque econômico (19,7%). "A partir de agora é importante diversificar a cobertura para além da perspectiva ambiental e científica, assim como dar a ela contornos nacionais, apresentando à sociedade brasileira não apenas de que forma as mudanças climáticas podem afetar o desenvolvimento socioeconômico, mas também diferentes estratégias para combater o problema", afirma Cristiane Fontes, da Embaixada Britânica.

Entre os pontos positivos mostrados pelo trabalho, de maneira geral os jornais diversificaram as fontes ouvidas, consultando diferentes categorias de atores. Poder público, especialistas, técnicos e universidades, empresas não estatais e governos estrangeiros foram os mais ouvidos. O estudo também salienta um volume expressivo de material opinativo na amostra analisada: 26,7% são compostos por editorais, artigos, colunas e entrevistas.

Oportunidades


Em suas conclusões, os organizadores da pesquisa consideram que os elementos ainda pouco abordados pela mídia podem ser encarados como oportunidades para manter o tema em foco daqui para frente. Inclusive com a perspectiva de que, em 2008, surgirão novas pesquisas sobre os impactos das mudanças climáticas para o Brasil, o governo começa a trabalhar na elaboração de um Plano Nacional de Mudanças Climáticas e será dada continuidade ao Mapa de Bali, resultado da última Conferência das Partes da Convenção do Clima que vai nortear as discussões para um acordo pós-2012.

Ao oferecer ao jornalista interessado um panorama sobre o atual diagnóstico da cobertura - além de trazer dados de vários estudos internacionais - a pesquisa Mudanças Climáticas na Imprensa Brasileira permite ao profissional de imprensa detectar quais são os pontos nos quais ele pode avançar. Ao mesmo tempo, os dados são relevantes para que as fontes de informação aperfeiçoem o seu diálogo com os meios de comunicação nesse debate.

Clique aqui para baixar a íntegra do estudo.


Informações:

ANDI - Agência de Notícias dos Direitos da Infância
http://www.andi.org.br/

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