quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

TIMOR LESTE

A violência contra-ataca

A violência no Timor Leste atingiu seu presidente, Ramos Horta, Nobel da Paz de 1996, e o o mítico líder da resistência armada contra Jacarta, José Alexandre "Xanana" Gusmão, atual primeiro-ministro. Forças da ONU são criticadas por sua atuação no atentado.

LISBOA, (IPS) - O Timor Leste viveu momentos de júbilo e esperança em maio de 2002, quando alcançou sua sofrida independência após 450 anos de colonialismo português e um quarto de século de ocupação da Indonésia, que deixou como saldo o genocídio de um terço da sua população. Mas a violência continua e nesta segunda-feira atingiu seu presidente, José Ramos Horta.

Além de Ramos Horta, ganhador do prêmio Nobel da Paz de 1996, também sofreu um atentado, do qual saiu ileso, o mítico líder da resistência armada contra Jacarta, José Alexandre "Xanana" Gusmão, atual primeiro-ministro deste jovem país que ocupa a parte oriental da ilha de Timor, no sudeste do arquipélago indonésio e no norte da Austrália.

O ex-major Alfredo Reinado e um grupo de seus soldados fiéis foram os autores do ataque contra a residência de Ramos Horta, o político de maior consenso entre a classe política e de maior popularidade, que já foi transportado para um hospital australiano onde se debate entre a vida e a morte. Entre os abatidos neste enfrentamento armado está o líder rebelde.

Enquanto isto acontecia em Dili, capital do Timor Leste, em uma ação sincronizada o tenente Gastão Salsinha, segundo no comando do major Reinado quando ele dirigia o regimento da Polícia Militar, praticava uma emboscada contra Gusmão em uma estrada rural, a qual não teve conseqüências para o primeiro-ministro.

O prestígio de Gusmão provém de sua atuação como líder de um grupo guerrilheiro que nunca passou de 200 homens, mas que apresentou uma luta sem quartel aos 22.000 soldados indonésios que ocuparam a ilha em 1975, um ano após o golpe de Estado que pôs fim à ditadura corporativista lusitana (1926-1974), quando Portugal dissolveu seu vasto império colonial.

A impiedosa ocupação concluiu em 1999, quando uma força internacional da Organização das Nações Unidas (ONU), encabeçada pela vizinha Austrália e secundada por Portugal, obrigou o exército de Jacarta a empreender a retirada, deixando, durante os 24 anos de ocupação, um saldo trágico de 210.000 mortos, de uma população que, em 1975, era de 660.000 pessoas.

O lendário "comandante Xanana", que ao longo das quase três últimas décadas do século passado foi conhecido como "o Che Guevara de Ásia", em referência ao revolucionário argentino-cubano Ernesto Guevara de la Serna, contou sempre com a incansável ação de Ramos Horta no plano internacional. Uma dupla insubstituível para a conquista da independência.

Durante uma passagem recente por Lisboa, Ramos Horta comentou que este genocídio, o maior em termos proporcionais à população de um país que foi registrado no século XX, junto com enfrentamentos posteriores entre grupos timorenses, deixou "feridas antigas, que são profundas, e que foram reabertas no último conflito (de 2006)".

Ramos Horta, no seu último diálogo com IPS durante uma visita oficial, em janeiro, a Portugal, reconheceu que "as dificuldades são enormes e a pobreza no país é generalizada".

A estabilidade democrática "leva muitos anos para se desenvolver e, às vezes, as pessoas esquecem que só estamos vivendo nosso quinto ano de independência", concluiu Ramos Horta nessa ocasião.

Entre o final de abril e o começo de maio de 2006 estourou a crise iniciada com o abandono da cadeia de mando das Forças Armadas pelo major Reinado que, junto com 20 militares e policiais, entraram em combate contra efetivos leais ao então primeiro-ministro Mari Alkatiri, presidente da Frente Timorense de Libertação Nacional (Fretilin), que assumiu o governo após a independência.

Os violentos enfrentamentos chegaram ao auge em junho de 2006, parecendo indicar que a longa luta pela liberdade havia se transformado em uma surda disputa pelo poder, com temperos australianos e portugueses nos bastidores.

Nesses dias, os combates adquiriram vastas proporções, deixando como saldo 40 mortos. Então, o major Reinado, cercado por forças locais, australianas, portuguesas e malásias, entrincheirou-se na selva com Salsinha e uns 20 incondicionais, e foi daí que desceram nesta madrugada para atentar contra a vida dos dois principais "pais da nação".

A desculpa para o levante é a suposta discriminação étnica contra os loromunus, timorenses da parte ocidental, por parte dos lorosae, do setor oriental. Segundo os primeiros, eles são subjugados pela hierarquia controlada pelos segundos nas Forças Armadas e na Polícia Nacional.

Para aceder à chave dos atentados da madrugada de segunda-feira é preciso voltar ao dia 27 de abril de 2006, quando estourou a intensa crise político-militar, alimentada pela desintegração da Polícia Nacional e fortes divisões no seio das incipientes Forças Armadas, criadas sobre a base dos antigos guerrilheiros que combateram contra o exército indonésio.

Entre o final de abril e maio desse ano, o protesto traspassou as portas dos quartéis e ganhou as ruas de Dili e Baucau, a segunda maior cidade do país, causando um pânico generalizado.

A polícia sumiu e ninguém conseguiu deter os civis loromunus, que incendiaram casas de lorosaes, os quais abandonaram Dili em grande número e procuraram refúgio nas montanhas vizinhas.

Nesta segunda-feira, a tensão reina no Timor Leste, mas, apesar disso, todas as notas dos jornalistas portugueses destacados na ex-colônia coincidem em que tudo funciona com normalidade e que Ramos Horta está em estado grave, mas estável. Este foi "um ataque covarde contra o presidente da República, contra o primeiro-ministro e contra as instituições", disse Gusmão, no momento de declarar o estado de sítio por um período inicial de 48 horas. Por sua vez, o chanceler Zacarias da Costa indicou que Ramos Horta foi levado para a Austrália após ser operado em Dili, onde foi extraída uma das duas balas que perfuraram seu estômago. Ao mesmo tempo, o tenente Carlos Correia, da brigada "Bravo" da Guarda Nacional Republicana (GNR) portuguesa, confirmava a morte do major Reinado, mas sem conseguir especificar o número de vítimas deixado pelos enfrentamentos.

Ao mesmo tempo, começaram a surgir as críticas contra as forças da ONU estacionadas no Timor Leste para garantir a paz, acusadas de não agirem com a prontidão exigida para salvar a vida do primeiro-ministro.

"As forças da ONU colocaram barreiras nas estradas, mas não prestaram socorro imediato a Ramos Horta e ele ficou mais de uma hora deitado em seu quarto à espera de auxílio", acusou, em declarações feitas à agência portuguesa Lusa, João Carrascalão, líder da União Democrática Timorense (UDT) e um dos políticos mais influentes do país.

"O que é realmente grave, é que a Unpol (Polícia da ONU) chegou até o lugar do atentando e parou a 300 metros, não oferecendo nenhuma assistência para Ramos Horta e foi, então, a GNR que prestou socorro a ele", denunciou Carrascalão.

A ONU, segundo as notas jornalísticas lusas, limitou-se até agora, meio-dia hora GMT desta segunda-feira, a pedir que a população timorense restrinja seus movimentos e que as famílias permaneçam em casa, colocando suas forças em "alerta máximo"

Ao coro de críticas contra a ONU juntou-se o ex-primeiro-ministro Alkatiri, que, apesar de suas divergências com Ramos Horta e Xanana Gusmão, pediu oficialmente, em sua condição de líder do opositor Fretilin, que sejam apuradas as responsabilidades da missão da ONU no Timor Leste pelos atentados sofridos pelo presidente e pelo primeiro-ministro.

Na efêmera existência do primeiro novo país do século XXI e o segundo mais novo depois do ex-iugoslavo Montenegro, os pratos da balança política no Timor Leste continuam cheios de sinais contraditórios.

Tradução: Naila Freitas / Verso Tradutores

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