quarta-feira, 19 de março de 2008

Descaminhos da TV pública

Alvaro Neiva*

Em 26 de fevereiro, o Congresso Nacional aprovou a Medida Provisória 398, que cria a Empresa Brasil de Comunicação (EBC). A EBC tem como principal elemento a TV Brasil, ou seja, a TV Pública lançada pelo governo federal em dezembro passado, que tanta polêmica vem provocando.

Para entrar neste debate, contudo, consideramos necessário fazer um breve retrospecto histórico. A televisão chega ao Brasil na década de 1950 pelas mãos do então maior grupo de comunicação do país, os Diários Associados. Embora tenha havido mudanças no setor, como a substituição dos Diários Associados como grupo hegemônico pelas Organizações Globo, uma característica permanece ao longo destas décadas: as emissoras de televisão são dominadas por empresas privadas, em um mercado altamente concentrado. A radiodifusão pública sempre ocupou um espaço muito pequeno, e sempre de caráter marcadamente estatal.

Após décadas de ditadura em que este modelo se consolidou, as discussões sobre a regulação da comunicação de massa estiveram entre as mais polêmicas da Assembléia Constituinte. Depois de muitos embates entre os setores que lutavam pela democratização da comunicação e os representantes dos interesses privados – liderados pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, a Abert –, o capítulo da comunicação social na Constituição Federal de 1988 previa muitos avanços, entre os quais a complementaridade dos sistemas privado, público e estatal de radiodifusão. Contudo, por pressão da mesma Abert, este dispositivo nunca foi regulamentado, e o país permaneceu com um amplo predomínio do sistema privado, com uma tímida participação do sistema estatal (cujas diferenças com o sistema público nunca foram devidamente explicitadas).

A Lei da TV a Cabo, de 1995, abriu um precedente interessante no que diz respeito ao surgimento de um sistema público, ao determinar a criação de emissoras universitárias e comunitárias. Contudo, além do problema do alcance restrito, em um país onde a maioria da população não tem acesso à TV por assinatura, a nova legislação não garantiu nenhum mecanismo de financiamento, o que praticamente inviabilizou os novos canais.

Estatal ou pública?

O governo Lula retomou, com força, a idéia da criação de um sistema público de radiodifusão. Embora tenha iniciado este processo com um amplo debate com o conjunto da sociedade – por meio de seminários e audiências e do Fórum de TVs Públicas –, o governo optou por concentrar excessivamente as decisões acerca da nascente Empresa Brasil de Comunicação.

Exemplo claro disto é que a EBC foi criada por medida provisória, sem debate com o Poder Legislativo. Além disso, a participação popular foi utilizada como forma de legitimar o novo sistema público, mas este não refletiu o processo de construção coletiva. De certa forma limitada a uma fusão entre o que era considerado o sistema público anterior (Radiobrás, TVE/RJ e TVE/MA), a TV Brasil foi lançada de forma apressada, sem ter sequer uma grade de programação definida.

Porém, mais do que os métodos no processo de implantação, o conteúdo da legislação que cria a EBC serve para caracterizá-la como uma empresa muito mais estatal do que pública. A TV Brasil nasce vinculada quase que apenas ao governo federal. Prerrogativas fundamentais de um sistema público, como gestão democrática e financiamento independente do governo, não estão presentes no texto da medida provisória.

O relator da MP na Câmara, deputado Walter Pinheiro (PT/BA), ainda tentou incluir dispositivos neste sentido, mas ainda tímidos. Foi criada uma Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública, a partir da realocação de recursos do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), mas ela é insuficiente para financiar a EBC, que permanecerá dependente do orçamento aprovado pelo governo da vez.

Ao tentar, apressadamente, conferir um caráter público, o governo divulgou a criação de um Conselho Curador da EBC, supostamente com representantes da sociedade. Contudo, a emenda saiu pior do que o soneto: o próprio governo indicou os 15 integrantes do Conselho, basicamente figuras públicas isoladas e representantes do mercado, sem a representação de importantes entidades da sociedade civil e de movimentos sociais.

Este equívoco também foi corrigido pelo deputado, que, no novo texto, determina uma consulta pública para a indicação dos futuros membros do Conselho Curador, a partir de indicações de entidades da sociedade civil sem fins lucrativos. Contudo, ainda não fica clara a metodologia de escolha dos novos integrantes – por exemplo, se as indicações serão submetidas ao atual Conselho ou ao próprio Poder Executivo. O novo texto também inclui representantes da Câmara e do Senado no Conselho. Cabe destacar que o texto aprovado na Câmara seguiu para apreciação no Senado e estes avanços, principalmente na questão do financiamento, ainda não estão garantidos.

Portanto, podemos concluir que, até o momento, a criação da EBC e, mais especificamente da TV Brasil, representa um avanço muito tímido em relação ao surgimento de um sistema efetivamente público de radiodifusão e à possibilidade de avançar na democratização da comunicação. Se sua criação serve como contraposição ao predomínio do sistema marcadamente comercial das emissoras privadas, não garante a real representação do interesse público.
Permanece aberta a necessidade de buscar construir um sistema efetivamente público, que agregue emissoras de rádio e TV comunitárias e universitárias, que tenha uma gestão representativa e democrática e mecanismos de financiamento que garantam a autonomia necessária diante de futuras mudanças de governo.

*Alvaro Neiva é jornalista e mestrando em Políticas Públicas e Formação Humana na Uerj.


Publicado em 14/3/2009.


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