sexta-feira, 21 de março de 2008

Pesquisador da UFRJ aborda a violência como fator social e a inlfuência da mídia no retrato dos conflitos urbanos

Fabíola Ortiz

“O que nós hoje compreendemos como violência urbana, é um fenômeno especificamente brasileiro. A violência no Rio de Janeiro é resultado de uma acumulação social da qual participam vários atores, entre eles a mídia”, afirmou o Prof. Dr. Michel Misse – coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (NECVU/IFCS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – em sua palestra na disciplina e curso de extensão de Jornalismo de Políticas Públicas Sociais, no dia 17 (segunda-feira).

A disciplina é realizada pelo Núcleo de Estudos Transdisciplinares de Comunicação e Consciência-NETCCON/ECO/UFRJ, sob coordenação do Prof. Dr. Evandro Vieira Ouriques, em parceria com a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI) e apoio do PACC.FCC.UFRJ. E nesta semana, o tema levantado foi “A Violência que Acusa a Violência: a degradação de Si e do Outro através da Mídia”.

Através do conceito de “causação circular acumulativa” que gera a violência, ou seja, um círculo vicioso de fatores que se causam mutuamente, Michel Misse buscou discutir a influência da mídia nos estilos de vida que incorporam a violência e como ela participa deste processo, até de forma não intencional.

O pesquisador se questiona: “por que nós vivemos num ambiente social com tanta violência?”. Para Misse, isso é um fenômeno, “o criminoso ou suspeito de ter cometido um crime não se rende, e prefere correr o risco de morrer a ser preso. E mesmo assim, o bandido que é rendido, muitas vezes acaba sendo executado pelo policial”. Em um ambiente em que a representação da violência é generalizada, as práticas criminosas incorporam a força física e o recurso às armas – “um recurso indiscriminado à violência”.

De acordo com Michel Misse, não há violência, há violências, no plural, “são muitas e não são uniformes”. Para ele, a palavra violência é vista como um sujeito abstrato, e a sociedade “trata uma multiplicidade de eventos distintos como se fosse uma única coisa; isso é um equívoco, uma ilusão; e esse pensamento induz a erros, até mesmo para o estabelecimento de políticas públicas”.

E ainda acrescenta: “é preciso ter cuidado com o uso da palavra violência, não há violência sem ofensa moral, ela decorre de um ambiente cultural; o que era violência antes, hoje pode não ser interpretado como tal”.

O recurso indiscriminado à violência

Michel Misse cita exemplos de pesquisas de vitimização, surveys (que começaram a ser feitas nos anos 1980) na Inglaterra e no Brasil, e, segundo ele, são “mais realistas que as estatísticas criminais realizadas pela polícia devido a sub-notificação de informações oficiais”.

E diz: “a nossa percepção é de que a violência é maior do que na Inglaterra, apesar da pesquisa de vitimização ser análoga e demonstrar números bem parecidos. Embora as taxas possam ser semelhantes entre países da Europa e dos EUA, e a quantidade de furtos e roubos seja igual, o recurso da violência é muito maior aqui no Brasil”.

Ele compara a taxa de homicídio na Inglaterra ou em países europeus que gira entre um ou dois homicídios por cem mil habitantes. No Brasil, a taxa é cerca de 27 a cada cem mil pessoas, e no Rio de Janeiro, já chegou a 70 assassinatos pela mesma quantidade de habitantes, e hoje, no estado, o número fica em torno de 50 homicídios por cem mil.

Além disso, Misse destaca que só em 2007, 1.500 pessoas suspeitas de crimes foram mortas pela polícia no Rio de Janeiro, enquanto que nos EUA, esse número não chegou a 200. A taxa de esclarecimento de assassinatos na Inglaterra ou em países considerados desenvolvidos é de 90%. E no estado do Rio, o índice de elucidação de assassinatos é de 8%, “ou seja, em 92% dos casos ninguém é preso”.

Mídia e crime orgaizado - a territorialização do tráfico de drogas

Ele considera que a mídia, ao tratar da violência, não está apenas descrevendo e noticiando o fato. “A mídia é um ator, assim como a polícia e as vítimas são atores. Ela seleciona quem acusar, quais políticas públicas que deveriam ser aplicadas e confere prestígio aos que praticam os crimes”, ressaltou.

Misse faz críticas ao pensamento único, no Rio de Janeiro e em cidades brasileiras, que associa o tráfico de drogas à violência: “Não é certo falar que a violência vem só do tráfico, quando se diz que a causa da violência é o tráfico de drogas, isso não é necessário. O tráfico responde por uma parcela das práticas criminais. Você pode ter tráfico sem violência, existe tráfico de drogas no mundo inteiro, em algumas vezes de forma até mais ostensiva do que no Rio de Janeiro. O que chamamos de ‘traficante’ aqui no Rio não é apenas um comerciante de drogas ilícitas, o tráfico adquiriu características que incorporam práticas de violência”.

O pesquisador afirmou que o tráfico está territorializado e, por isso, tornou-se mais “vulnerável a incursões policiais e de outros grupos que queiram dominar esse território”. Para ele, “é essa vulnerabilidade que obriga que os traficantes tenham que se armar – é a concepção armamentista para defender o território”.

E sobre o que se acredita por crime organizado, “não é uma máfia, não tem nada a ver com uma organização do tipo mafiosa, são redes de proteção horizontais e não verticais, são precárias; não conseguem se organizar e monopolizar o mercado e vivem de brigas intermináveis pelos pontos de venda”.

Em sua palestra, Misse ainda fez uma crítica ao pensamento de que “o crime existe só no outro”. É o que ele considera como “sujeição criminal”: a concepção de que o sujeito carrega o crime nele mesmo, e assim, não se caracteriza como uma prática criminal. Essa concepção faz parte de uma política de eliminação. “Calcula-se que dez mil suspeitos de crimes tenham sido eliminados no Rio nos últimos dez anos”. Para ele, a pena de morte continua sendo aplicada indiscriminadamente.

Saiba mais:

http://www.informacao.andi.org.br/

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