domingo, 18 de maio de 2008

Fotojornalismo e violência em cena

Bernardo Costa
16/5/2008


O cotidiano dos repórteres-fotográficos no Rio de Janeiro se tornou tema do documentário “Abaixando a máquina — Ética e dor no fotojornalismo carioca”, de Guillermo Planel e Renato de Paula, em que os dilemas e angústias da profissão são debatidos por psicanalistas, autoridades, líderes comunitários, professores, fotógrafos e fotografados.

Guillermo Planel

A idéia do filme surgiu a partir da publicação — na última página do caderno Info Etc., do Globo, entre 2006 e 2007 — de dezenas de ensaios produzidos pelos profissionais da casa:
— Em agosto de 2006, eu abri o jornal e vi uma matéria com o Domingos Peixoto, em que ele falava sobre a questão ética do fotojornalismo — diz Guillermo Planel. — Em termos gerais, ele se questionava sobre que direito tinha de entrar num momento de extrema dor de alguém que sofre uma violência, fotografar e nunca mais aparecer. Aquilo me tocou muito, porque eu também penso muito sobre a função social do fotojornalismo. Então, como eu estava terminando um curso e tinha que apresentar uma monografia, resolvi fazer um documentário abordando esse tema.

Sem a menor intenção de definir padrões éticos para o exercício da profissão, o documentário levanta difíceis situações que surgem no cotidiano dos fotógrafos, sempre às voltas com os conflitos sociais da cidade, como lembra o cineasta:
— Não é um discurso que fecha a questão, mas que a põe em debate. Obviamente, as pessoas não gostariam de ser registradas em situações extremas. Então, o filme traz essa realidade, de como esses problemas e questionamentos aparecem no dia-a-dia do fotógrafo, tenta mostrar como é feita a aproximação e a utilização dada a certas imagens.

Foto de Marcos Tristão


Mídia e comunidade

Segundo estimativas do sistema de saúde, 50 mil pessoas são vítimas de homicídios por ano no Brasil, sendo a grande maioria desse contingente formada por jovens negros moradores de favelas e periferias. No Rio de janeiro, essa questão se agrava devido ao expressivo número de comunidades carentes dominadas pelo tráfico de drogas, onde conflitos armados são recorrentes, espalhadas por toda a cidade.

É nesse cenário que os fotojornalistas que cobrem o dia-a-dia na cidade estão inseridos e desempenham papel fundamental de denúncia e, conseqüentemente, de cobrança por políticas públicas mais eficazes. A boa relação entre a mídia e tais comunidades tem sido tratada pelos profissionais como ponto crucial para que se realize uma cobertura completa das regiões de conflito, fugindo do estigma de que o fotógrafo só aparece quando acontecem desgraças.

Essa relação ficou ainda mais complicada após a morte de Tim Lopes, em 2 de junho de 2002, quando fazia uma reportagem na Vila Cruzeiro, Zona Norte do Rio:
— Foi um divisor de águas dentro do jornalismo brasileiro. Acabou, naquele momento, qualquer boa relação que pudesse haver entre a imprensa e as comunidades, porque a imprensa ficou, evidentemente, com medo de ir às favelas e acabou se resguardando por trás da polícia — diz Planel.


Passos lentos

Foto de Marcelo Carnaval


Para Marcelo Carnaval, fotógrafo do Globo e um dos profissionais que tem seu trabalho mostrado no filme, a reaproximação com a comunidade tem evoluído a passos lentos, após a morte de Tim:
— A TV Globo, por exemplo, continua adotando a ordem de não entrar. A reaproximação tem sido feita através da Central Única das Favelas, entre outros meios, e não pela Central de Jornalismo. De uma forma geral, porém, eu acho que a gente tem entrado mais. Até porque, nesse meio-tempo, surgiram coisas novas, outros assuntos para serem cobertos nas favelas. É um lugar de novidades, de notícias.

Segundo Planel, a iniciativa de exibir o documentário nas comunidades, com o apoio da ONG Viva Rio e do portal de internet Viva Favela, pode contribuir, ainda que de forma incipiente, para um melhor relacionamento entre os fotógrafos e a favela, mostrando aos moradores da comunidade que o fotojornalista não tem culpa das mazelas que elas enfrentam, que estão ali apenas fazendo seu trabalho, mostrando a realidade e, dessa maneira, contribuindo de forma efetiva para mudá-la:
— Por exemplo, a foto da mãe da menina Alana, morta durante tiroteio no Morro dos Macacos, feita por Marcos Tristão, é muito representativa da violência sofrida por aquela família e só chegou às pessoas e às autoridades por meio daquela imagem.

Marcelo Carnaval

Proteção

Marcelo Carnaval, por sua vez, destaca o atual posicionamento da classe, que tem contribuído, de forma mais concreta, para uma reaproximação que possibilite uma cobertura mais abrangente nas áreas periféricas da cidade:
— Nosso posicionamento é de mudança. Por exemplo, eu não uso colete à prova de balas. Não me sinto confortável de estar numa mesma situação em que crianças, mulheres grávidas e muitas outras pessoas estão desprotegidas e eu não estou. Mas esta é uma posição pessoal. Também já socorri gente baleada dentro do carro de reportagem, e acho que isso, você parar e ouvi-los, aproxima mais a gente dos moradores.

Dando voz aos fotojornalistas, o documentário contribui para desfazer o estereótipo de que esses profissionais são pessoas frias, sem qualquer tipo de engajamento social, que querem apenas lucrar com a desgraça alheia:
— Eles têm uma consciência muito grande de todo o envolvimento profissional dentro da conjuntura social — afirma o diretor. — Não são nem um pouco alienados nesse sentido, muito pelo contrário.

Carnaval também acredita que essa seja a maior contribuição do filme:
— É importante mostrar que somos seres humanos, e não um bando de urubus que está lá só para ver a carniça.

http://www.abi.org.br/primeirapagina.asp?id=2514

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