quinta-feira, 12 de junho de 2008

A mídia só é livre quando a mente é livre

Evandro Ouriques introduz no I Forum de Mídia Livre a questão da Mente Livre

Seiscentas pessoas já confirmaram sua participação no 1º Fórum de Mídia Livre (FML), que acontecerá no Rio de Janeiro neste fim de semana. As inscrições continuam chegando de todo o Brasil, e a expectativa da organização do evento é de que pelo menos 800 pessoas façam parte das questões que serão tratadas no Campus Praia Vermelha da UFRJ.

O Núcleo de Estudos Transdisciplinares de Comunicação e Consciência-NETCCON.ECO.UFRJ faz parte do Comitê Organizador do FML, através de seu coordenador, professor Dr. Evandro Vieira Ouriques, e teve a oportunidade de introduzir a questão da "Mente Livre" na programação do Fórum por entendê-la decisiva para o vigor de uma Mídia Livre.

O Prof. Evandro, cientista político, jornalista, terapeura de base analítica e consultor organizacional, fala aqui deste conceito, que desdobra a linha de pesquisa do NETCCON dedicada à proposição teórica e sustentação operacional de uma economia psico-política da Comunicação e da Cultura.

"O Forum de Mídia Livre é o lugar decisivo para tratarmos da questão da "Mente Livre", que proponho e sustento, pois a "Verba Livre", que o FML quer obter através de pressões legítimas na direção do Governo para que haja distribuição democrática das verbas publicitárias públicas, e o "Verbo Livre", que o FML também quer ajudar a ampliar através da cultura digital e das redes, somente alcançarão seu objetivo de transformação social se os ativistas estiverem livres das sequências mentais do regime de servidão tornando-se ele próprios exemplos vivos no mundo de comunicadores-cidadãos, de cidadãos-comunicadores. O que permite que hajam relações de confiança, sem as quais as redes e toda a esperança nelas depositada por muitos não pode se efetivar, pois a confiança é a base da construção horizontal de agregadores de transformação."

"Ou seja mídia livre só existe quando o midialivrista é de fato livre, fala com voz própria, conseguiu vencer em si mesmo a tendência generalizada de agir com base no interesse e no poder auto-referenciados, atitude que é naturalizada e que impede, como disse, as relações de confiança. Como criar uma rede de redes se não há confiança, se há apenas luta pelo poder? A referência para uma ação livre no mundo é outra, ela precisa ser a generosidade, este para mim o outro nome do “espírito público”, da democracia, dos direitos humanos, dos direitos ambientais, dos direitos das crianças de dos adolescentes, das políticas públicas, da responsabilidade socioambiental.”

"No livro História das Teorias da Comunicação, o belga Armand Mattelart, professor da Universidade de Paris e um dos mais eficientes críticos do monopólio mundial dos meios de comunicação, diz que, nos dias atuais, criados pela produção de estados mentais (e por isto criei em 2005 na Escola de Comunicação a disciplina Construção de Estados Mentais Não-violentos na Mídia) a liberdade política não pode se resumir ao direito de exercer a própria vontade. Ele insiste, e eu concordo plenamente, que a liberdade política hoje reside igualmente no direito de dominar o processo de formação dessa vontade, já que, na maior parte dos casos, ela [a vontade] é capturada por um rio de mídia que atravessa a pessoa ao longo do seu desenvolvimento emocional, educacional, social e histórico. Um fluxo que fala e sente por ela."

"Hoje, a pessoa sente e pensa por meio da mídia que, em nenhum momento, a ajuda a parar e refletir. A aceleração, por exemplo, que os apresentadores dos telejornais utilizam é incompatível com o ritmo respiratório, metabólico. A respiração fica suspensa. E suspensa, impede que as informações entrem e sejam metabolizadas. Impedem, inclusive, que a nossa mente (no sentido do conjunto de percepções, pensamentos e afetos) tenha tempo de excretar o que não serve."

“Não há cultura digital que dê conta de gerar relações de confiança. Para construirmos confiança precisamos de algo ainda mais difícil do que a verba livre e o verbo livre. Precisamos de uma Mente Livre, livre destes tempos de amor líquido, no qual os relacionamentos pouco se sustentam ou não se sustentam pois não há conversa na maioria das vezes, mas tentativas cruzadas, e em rede, de convencimento do outro. Se Zygmunt Bauman [sociólogo polonês] mostra que estamos na época do amor líquido, é porque vivemos uma era de relações líquidas. No entanto, o que garante o vigor da relação colaborativa nas redes, conseqüentemente, o vigor da cultura digital, é exatamente a estabilidade da confiança. Mas o que assistimos é a experiência do atropelamento, das decisões democráticas apenas nominais, quando a prática é a da imposição, da traição e da desconfiança. A grande mídia está, em geral, neste estado, e os midialivristas foram formados por ela, nela. Não nos tornamos livres apenas por uma vontade de ser livre. É um longo e complexo processo, como mostram por exemplo a psicanálise e a psicologia social."

"Baseados na luta política auto-referenciada, na vida como uma luta constante e implacável como única saída imaginada por oposição a um céu idealizado e inexequível, a organização social se mantém, atualmente, por uma estratégia de dessubjetivação, ou seja, de desespeciação: de perda do caráter de espécie, como provam os atos crescentes e sucessivos de horror com os quais convivemos e que estão presentes nas relações das equipes, das redes, das amizades, dos relacionamentos."

"Estamos diante, portanto, de sujeitos não-instalados. Portanto a verba livre e o verbo livre com sujeitos efetivamente não-instalados no qual o que nos fala é um vazamento do inconsciente temos é a expansão da história conhecida, seja ela pessoal e comunitária, racial, de gênero, de classe, etc., de traumas, abusos, discriminações."

"É decisivo portanto investirmos na construção de uma Mente Livre, para que as redes sejam efetivamente redes e não apenas clubes, nos quais o sentido de comunidade desaparece e o de política permanece como sendo apenas a tentativa de administrar grupos de pressão orientados por princípios vagos meta-organizados pela luta pelo poder, pela idéia vertical que alguém que sabe mais do que alguém. Mesmo que esta alguém seja de esquerda..."

"A História prova que os grupos que chegam ao poder tendem a repetir o mesmo padrão de comportamento dos grupos anteriores e prova também que quando as pessoas se juntam começam logo a se engalfinhar pelo poder. Ora precisamos de uma fonte de referência para a ação que não seja a própria ação e uma fonte de referência para a luta política que não seja a própria luta, porque senão colaboramos para o aprofundamento da barbárie. Como então conseguir agenciamentos possíveis de nossas singularidades em torno de objetivos/desejos comuns?"

"A Teoria Social, por exemplo, insiste em dizer que as práticas humanas são movidas pelo interesse e pelo poder. Ora, como é possível então explicar o desejo de democracia, de políticas públicas sociais, de responsabilidade socioambiental? O midiativista, o comunicador, o jornalista, o cidadão, o profissional precisa ser aquilo que ele gostaria de ver no mundo. Precisa dominar o processo de formação de sua vontade para não ser capturado pelos valores que mantêm a exclusão. Vida privada e vida pública são conceitos binários ultrapassados. Precisamos ser de fato o que gostaríamos de ver no mundo, como disse uma vez de maneira lúcida Mahatma Gandhi, aquele que derrubou o pai do Império que está aí, e à cuja mídia os midialivristas querem superar. É decisivo que se pense e se construa uma Mente Livre, pois só assim teremos de fato uma Mídia Livre".


O professor Evandro Vieira Ouriques, coordenador do NETCCON.ECO.UFRJ, pós-doutor em Cultura de Comunicação, Globalização de Mercados e Responsabilidade Ética, pelo Programa Avançado de Cultura Contemporânea-PACC, do Forum de Ciência e Cultura da UFRJ, tratará da questão da Mente Livre no Grupo de Trabalho Formação para uma Mídia Livre, no sábado à tarde, e na Oficina "Mente Livre, Mídia Livre", que ocorrerá no domingo à tarde.

http://www.novae.inf.br/site/modules.php?name=Conteudo&pid=1039

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