segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Mundo tem quase 1 bilhão de migrantes

Bancoc, 05/10/2009

Relatório do PNUD aponta que maioria deles (740 milhões) se desloca dentro do próprio país e só 30% emigram de países pobres para ricos

Reprodução
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Permitir a migração – tanto dentro como para fora de fronteiras – poderá aumentar a liberdade das pessoas e melhorar as vidas de milhões de indivíduos em todo o mundo, de acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2009, lançado nesta segunda-feira.

Vivemos num mundo altamente móvel, onde a migração não só é inevitável mas também corresponde a uma dimensão importante do desenvolvimento humano. Quase 1 bilhões de pessoas – ou uma em cada sete – são migrantes. O relatório, Ultrapassar Barreiras: Mobilidade e desenvolvimento humanos, demonstra o modo como a migração pode otimizar o desenvolvimento humano em relação às pessoas que se deslocam, às comunidades de destino e àqueles que permanecem nos seus lares.

“A migração pode ser uma força positiva, contribuindo significativamente para o desenvolvimento humano”, diz a administradora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Helen Clark. “Mas, para apreendermos os seus benefícios, é necessário haver um ambiente político que a apoie, tal como sugere este relatório.”

De fato, a migração poderá significar um aumento dos rendimentos de um indivíduo, assim como melhorar as suas perspectivas em termos de saúde e de educação. E, o que é mais importante, ou seja, poder decidir onde viver, é um elemento crucial da liberdade humana, de acordo com o Relatório, em que também se defende que é possível atingir enormes benefícios para o desenvolvimento humano ao baixar as barreiras, bem como outras restrições à migração, e melhorar as políticas para os migrantes.

Contudo, a migração não traz sempre benefícios. O ponto a que as pessoas poderão beneficiar com a migração depende em grande medida das condições sob as quais se deslocam. As despesas poderão atingir níveis consideráveis e as deslocações envolvem inevitavelmente incertezas e a separação de famílias. Os pobres são muitas vezes restringidos pela sua falta de recursos e de informação, e por barreiras que lhes são impostas nas suas novas comunidades e países de acolhimento. As deslocações refletem repercussões de conflitos, desastres naturais e graves dificuldades económicas para demasiadas pessoas. Algumas mulheres são apanhadas em redes de tráfico, perdem liberdades significativas e sofrem perigos físicos.

Esta é a última publicação de uma série de Relatórios de Desenvolvimento Humano globais que visam enquadrar os debates sobre alguns dos problemas mais prementes que ameaçam a humanidade, desde as alterações climáticas até aos direitos humanos. Trata-se de um relatório independente elaborado sob o auspicio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Jeni Klugman é a principal autora do relatório de 2009.

Desafiar mitos comuns

As conclusões a que este relatório chegou lançam uma nova luz sobre alguns mitos comuns. Com efeito, a maioria dos migrantes não transpõe as fronteiras nacionais, deslocando-se, pelo contrário, dentro dos limites do seu próprio país: 740 milhões de pessoas são migrantes internos, quase quatro vezes mais o número de migrantes internacionais. Entre os migrantes internacionais, menos de 30% deslocam-se de países em desenvolvimento para países desenvolvidos. Por exemplo, apenas 3% dos africanos vivem fora do país onde nasceram.

Ao contrário do que normalmente se acredita, os migrantes estimulam a produtividade económica e dão mais do que aquilo que recebem. Investigações detalhadas mostram que a imigração aumenta geralmente o emprego junto das comunidades de acolhimento, não expulsa os nativos do seu mercado de trabalho e melhora as taxas de investimento em novos negócios e iniciativas. De uma maneira geral, o impacto dos migrantes nas finanças públicas – tanto ao nível nacional como local – é relativamente pequeno, e existem claras evidências que apontam para benefícios em outras áreas como a diversidade social e a capacidade de inovação.

Os autores demonstram que os benefícios para as pessoas que migram poderão ser enormes. Segundo as pesquisas realizadas, os migrantes dos países mais pobres que se mudaram para países desenvolvidos viram os seus rendimentos aumentar, em média, para valores 15 vezes superiores relativamente às quantias que auferiam antes de terem migrado, testemunharam um desenvolvimento na educação com um aumento para o dobro nas taxas de escolarização e uma diminuição da mortalidade infantil para valores 16 vezes inferiores aos registrados anteriormente.

Relações com o desenvolvimento

Para os países de onde os migrantes provêm, o Relatório alerta para o fato de a migração não substituir o desenvolvimento. Contudo, a mobilidade traz frequentemente novas ideias, conhecimento e recursos – tanto para os migrantes como para os países de origem – que poderão complementar e até otimizar o desenvolvimento humano e econôico. Em muitos países, o dinheiro que os migrantes enviam para os seus países excede a ajuda pública.

Os benefícios dos migrantes são muitas vezes partilhados com as suas famílias e comunidades dos seus países de origem. Em muitos casos, estes benefícios surgem sob a forma monetária – remessas –, mas as famílias dos migrantes poderão beneficiar de outros modos também. Estas “remessas sociais”, tal como são chamadas, incluem reduções na fertilidade, taxas de escolarização mais elevadas e o aumento da participação das mulheres.

O relatório também defende que a saída de trabalhadores altamente qualificados, tais como médicos, enfermeiros e professores – uma preocupação central de uma série de países em desenvolvimento que está a perder estes profissionais – é sobretudo um sintoma, mais do que uma causa, da existência de sistemas públicos inadequados.

Quando integrada em estratégias de desenvolvimento nacionais mais amplas, a migração complementa os esforços locais e nacionais no sentido de reduzir a pobreza e otimizar o desenvolvimento social e econômico.

Baixar as Barreiras

O Relatório Ultrapassar Barreiras traça um pacote principal de reformas assentes em seis “pilares” que apelam às seguintes medidas:

• Abertura dos canais de entrada existentes para mais trabalhadores, sobretudo os menos qualificados;

• Assegurar os direitos humanos básicos aos migrantes, desde o acesso a serviços básicos como a educação e os serviços de assistência médica até ao direito ao voto;

• Reduzir as despesas de transação da migração;

• Encontrar soluções em parceria que beneficiem tanto as comunidades de destino como os migrantes,

• Facilitar a migração interna;

• Incluir a migração como uma componente das estratégias de desenvolvimento dos países de origem.

Em termos da migração internacional, o Relatório não defende uma liberalização total, uma vez que as pessoas nos locais de destino têm o direito de poder determinar os contornos da sua sociedade; mas postula que existem fortes motivos para aumentar o acesso em sectores com uma elevada procura de mão de obra, incluindo no que respeita a trabalhadores pouco qualificados. Esta questão é particularmente importante para os países desenvolvidos uma vez que as suas populações estão a envelhecer – e isso poderá aumentar a procura de trabalhadores migrantes.

Facilitar o acesso e reduzir o custo dos documentos oficiais são outros passos importantes em direcção a um baixar de barreiras relativamente à migração legal. De acordo com o Relatório, racionalizar toda a burocracia ajudará a obstruir o fluxo de migrantes irregulares, uma vez que as pessoas reconhecerão ser mais fácil e menos dispendioso usar os canais legais.

Em Ultrapassar Barreiras também se apela aos países de destino para que tomem medidas no sentido de acabar com a discriminação em relação aos migrantes. O Relatório sublinha a importância de abordar as preocupações dos residentes nativos e despertar as consciências para os direitos dos migrantes, assim como de trabalhar em conjunto com as entidades empregadoras, sindicatos e grupos comunitários para combater a xenofobia.

Apesar de existirem casos de intolerância, as pesquisas realizadas pelo PNUD para o Relatório demonstram que as pessoas dos países de destino apoiam geralmente o aumento da migração, desde que haja empregos disponíveis, e apreciam os benefícios – econômicos, sociais e culturais – que um aumento da diversidade poderá proporcionar.

Tempo de ação

A recessão mundial transformou-se rapidamente numa crise do emprego – e as crises do emprego são geralmente uma má notícia para os migrantes. Numa série de áreas, o número de novos migrantes é reduzido, sendo que em alguns países de destinos se estão a tomar medidas para encorajar ou compelir os migrantes a partir. Mas, segundo o Relatório, agora é tempo de acção.

“A recessão deve ser vista como uma oportunidade para se instituir um novo acordo para os migrantes – um acordo que beneficie os trabalhadores nos seus países e no estrangeiro ao mesmo tempo que evita um retrocesso protecionista”, diz a autora principal do Relatório, Jeni Klugman. “Com a retoma, muitas das tendências que haviam motivado as migrações durante a segunda metade do século passado surgirão novamente, levando a que mais pessoas queiram migrar.”

As pessoas vão necessariamente deslocar-se e, por conseguinte, em Ultrapassar Barreiras fornece-se as ferramentas para melhor gerir a inevitável mobilidade humana, estabelecendo-se princípios e directrizes para os destinos de imigração mais tradicionais, tais como os Estados Unidos e a Europa, e para os novos pólos de migração, tais como a Costa Rica, Marrocos e Tailândia. O pacote de reformas avançado em Ultrapassar Barreiras depende de uma avaliação realista das condições económicas e sociais e do reconhecimento da opinião pública e de outras restrições políticas. Porém, com coragem política, todas aquelas reformas são exequíveis.

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