sábado, 1 de março de 2008

Inventário quer valorizar diversidade lingüística no Brasil

01-03-2008 11:17:31
Por Carla Mendes, da Agência Lusa

Brasília, 1º mar (Lusa) - O Brasil começa a ter consciência de sua diversidade lingüística e a reconhecer que o português não é único idioma falado no país, onde existem cerca de 200 línguas, 180 das quais autóctones, ou seja, de nações indígenas. Um grupo de trabalho sobre a diversidade lingüística brasileira, criado em 2006, pretende fazer agora um inventário sistemático e detalhado a partir de projetos-piloto sobre três línguas indígenas, uma língua de imigração e uma afro-brasileira.

O mapeamento visa a criação de políticas públicas que assegurem a continuidade das 200 línguas existentes no Brasil e o respeito pelos seus falantes. "É o resgate da nossa diversidade, que é a nossa maior riqueza. O Brasil é uma convergência de culturas e todos têm o direito de se expressar na língua que aprenderam com seus antepassados", disse à Agência Lusa a técnica de registro do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Jane de Alencar.

Segundo a especialista, o governo brasileiro vai se debruçar, pela primeira vez, sobre esta diversidade com um olhar de valorização e reconhecimento das línguas faladas em seu território."O povo que perde a sua língua perde a sua alma", afirmou o representante dos Guarani Kayowá, Anastácio Peralta. De acordo com Peralta, há cerca de 60 mil falantes do guarani no Brasil, 40 mil deles no Estado do Mato Grosso do Sul.

"Nós perdemos a nossa terra, as matas, mas a nossa língua, as nossas danças, os nossos cantos continuam com a gente. O que faz uma nação viva é a língua, a sua forma de expressar", disse.

Eliminação de línguas

O guarani foi umas das línguas que sobreviveram à imposição do português no Brasil como único idioma legítimo. A estimativa dos especialistas é de que havia 1.078 línguas indígenas quando os portugueses chegaram ao Brasil.

A política dos portugueses e, depois, do próprio Estado brasileiro de impor a todos a língua "companheira do império", como disse Fernão de Oliveira na primeira gramática da língua portuguesa (1536), levou a um processo de glotocídio, isto é, eliminação de línguas.

"Na década de 80,ainda éramos proibidos de falar nossas línguas maternas nas escolas-internato dos missionários. Quem não cumpria as ordens era severamente punido", disse Gersem dos Santos Luciano, falante de nheengatu, língua geral da Amazônia.

As punições eram ficar sem comer um dia, ficar horas sob o sol quente, até trabalhos forçados ou castigos com efeitos psicológicos. "Uma das modalidades de que fui várias vezes vítima era um pedaço de pau pesado e grande que eles amarravam nas nossas costas com a frase: 'Eu não sei falar português'. A placa provocava pavor e extremo constrangimento", lembrou Luciano.

Os imigrantes e seus descendentes também passaram por violenta repressão, especialmente no estado novo (1937-1945), regime instaurado por Getúlio Vargas.

Naquele período, houve a chamada "nacionalização do ensino", que tentou pôr fim às línguas de imigração no Brasil, como o hunsrückisch, dialeto alemão, e o talian, variante da língua italiana, que resistiram, todavia."É triste a gente constatar que houve uma política de eliminação de línguas e que ainda hoje há no Brasil muitos preconceitos lingüísticos e impedimentos de uso de línguas, por exemplo, nos meios de comunicação", afirmou à Lusa o lingüista Pedro Garcez. Na avaliação do professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é muito importante reconhecer a diversidade lingüística "como um recurso e não como problema".

Diversidade lingüística

"Esta é uma luta árdua. Finalmente o governo está olhando para os invisíveis", disse o presidente da Associação Cultural de Preservação do Patrimônio Bantu, Raimundo Konmannanjy.

Unico professor no Brasil de uma das línguas do povo bantu, originário da África Subsariana, Konmannanjy afirmou que é difícil até fazer um pequeno diálogo em kikongo, que, como as outras línguas africanas, desapareceu no país.

O curso introdutório à língua kikongo proposto pela Associação está paralisado há dois anos por falta de recursos e Konmannanjy procura agora a ajuda de angolanos para tentar ressuscitar o projeto.

"Nzaambi wutusaambulwa", disse ele. Em português, "Deus nos abençoe".

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