quinta-feira, 13 de março de 2008

Um jeito feminino de combater a violência

Karla MenezesNum encontro recente entre oficiais da Polícia Militar e pesquisadores da área de segurança pública no Rio de Janeiro, uma diferença ficou evidente: da polícia, havia seis homens; do meio acadêmico, seis mulheres. O fato reflete a histórica divisão sócio-cultural do trabalho na qual homens cuidam das questões que envolvem força enquanto mulheres dedicam-se à educação.

Entretanto, as recentes mudanças de paradigmas na segurança pública que, embasadas em estudos acadêmicos, sugerem mais ações integradas de prevenção à violência e menos uso da força, favorecem a participação feminina na gestão da segurança e no comando policial.

Para a secretária de Direitos Humanos e Segurança Cidadã de Recife, Karla Menezes, novos paradigmas institucionais abrem espaço para a ação feminina.

“As mulheres ainda são minoria nos cargos de liderança como um todo. Elas estão no operacional, mas não no estratégico. Esse recorte de gênero também ocorre na segurança, que sempre foi tratada como uma área de repressão e uso da força, atividades atribuídas a homens pela cultura do patriarcado. Os homens é que vão para a guerra", afirma.

E Karla vai mais longe. "É um reflexo da divisão sexual e sócio-familiar do trabalho: historicamente, as mulheres se ocupam de educação e assistência social. Mas o novo paradigma de prevenção da violência e cultura de paz se coaduna com o novo paradigma da participação das mulheres na segurança pública”, avalia.

Uma mulher no comando da tropa

Cel. LucienePrimeira mulher a comandar uma tropa masculina no Brasil, em 1992, a coronel Luciene Magalhães de Albuquerque - que há um ano ocupa o cargo de subchefe do Estado Maior da Polícia Militar de Minas Gerais, o terceiro na hierarquia da corporação – é uma prova de que há espaço para mulheres na nova concepção da segurança pública.

Para ela, a grande conquista do ingresso da mulher nas instituições policiais é a humanização nos relacionamentos. “Atitudes simples, como mudanças no tratamento entre as pessoas, trazem grandes transformações, como uma melhor relação da polícia com a comunidade, que passa a participar das medidas preventivas, comunicando casos à polícia e assim ajudando a evitar novas ocorrências”, explica a oficial.

O que ela diz é fato. Durante três anos, a coronel comandou os cerca de 800 homens do 34º Batalhão de Polícia Militar de Minas Gerais, responsável pelo policiamento da região Noroeste de Belo Horizonte. Localizada no meio da cidade, por onde passam muitas vias, e com aglomerados e favelas complexas, a região registrava os maiores índices de criminalidade violenta da capital mineira. Mudanças na gestão da segurança levaram a uma redução significativa desses crimes.

No bairro Castelo, por exemplo, o número de casos caiu de 34 para quatro em um mês. Ela explica que a estratégia adotada foi o policiamento comunitário e o empoderamento dos policiais. “Não aumentamos o número de PMs, só mudamos a gestão, trabalhando junto com a comunidade, na filosofia da polícia comunitária. Fomos de rua em rua, até fazermos o bairro todo participar”, conta. Criado em 2005, o projeto ganhou o nome de Rede de Vizinhos Protegidos.

Quebrando o gelo

Para quebrar o gelo com seus comandados, a oficial apostou na espontaneidade. Foi assim quando chegaram no batalhão os músicos do grupo carioca Afroreggae, "com aqueles cabelos doidos", conta. Eles dariam uma oficina de percussão no projeto Juventude e Polícia. Ao perceber que não havia policiais voluntários para a atividade, resolveu participar ela própria. “Eu tô indo, vocês não vêm não?”, perguntava aos policiais no caminho. O quórum foi tão alto que faltaram instrumentos. Luciene também participou da oficina de circo.

A Coronel diz que nunca foi desrespeitada pelo fato de ser mulher. “Minha percepção é de que o respeito é até maior, em função da preocupação do homem de não falhar perante uma mulher. Outra hipótese é o fato de o homem ter sido educado por uma mulher. Não temos problemas com liderança de mulheres”, conclui.

Sobre o seu poder, a subchefe do Estado Maior de Minas Gerais diz sentir muito mais responsabilidade do que orgulho. “No início, em 1981, o percentual de entrada de mulheres era de 5% do efetivo. Éramos 120 mulheres, todas praças. Cinco passaram no concurso para oficial. Por sermos sempre minoria, nos exigimos mais, buscamos a perfeição e a correção para provar que somos capazes”, afirma.

A Polícia Militar de Minas Gerais é a mais antiga do Brasil, com 234 anos, 26 deles com participação feminina. Hoje, o limite de entrada aumentou para 10% do efetivo. “É difícil quebrar paradigmas numa instituição tão antiga, mas lutamos para garantir o espaço das mulheres no futuro”, diz. E garante: “A polícia moderna tem características femininas, como parlamentação, comunicação e mediação de conflitos. Ela inspira confiança.”

Mulheres no campo das idéias

Silvia RamosHoje, na área acadêmica como um todo, a presença feminina é numericamente maior que masculina. Para a pesquisadora Silvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos em Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, essa seria uma explicação para o fato de haver mais mulheres do que homens estudando segurança pública.

Ao refletir sobre a questão, ela traçou um paralelo com a literatura. "Nos romances policiais clássicos, os assassinos e os assassinados em geral são homens, mas as autoras são mulheres. Vide Agatha Christie, P. D. James e Donna Leon. São mulheres escrevendo sobre policiais de carreira", compara.

Para Silvia, apesar de serem maioria, as pesquisadoras ainda são vistas com desconfiança pelos gestores da segurança. “Eles ficam muito conscientes de serem entrevistados por mulheres, acham que não seremos capazes de entender as questões”, conta. Para Silvia, as mulheres têm muito a contribuir para a segurança pública, principalmente na incorporação de problemas de viés racial e de gênero.

A defesa das mulheres por elas mesmas é uma idéia que vem dando certo em Recife. Karla Menezes conta que a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Segurança Cidadã apóia um grupo de mulheres no bairro Córrego do Euclides, na Zona Norte, chamado Cidadania Feminina, que promove apitaços para a sensibilização sobre a violência contra a mulher.

"Quando uma mulher sabe que outra na comunidade está sofrendo violência, ela apita. Quando as demais ouvem o apito, apitam também, e com isso os homens páram. Iniciativas como essa consolidam o trabalho conjunto com os órgãos de segurança", afirma Karla.

http://www.comunidadesegura.org/?q=pt/node/38480

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