quarta-feira, 11 de junho de 2008

Acordo Ortográfico

Um Atletiba lingüístico
(Marcio Renato dos Santos)


Parece até final de campeonato de futebol. O acordo da língua Portuguesa divide pessoas quase da mesma maneira como o fanatismo pelo futebol separa torcedores de times rivais. A diferença é que, no caso do idioma, a discussão passa por agumentos racionais, algo que – em geral – não costuma permear os bate-bocas entre adeptos incondicionais de agremiações esportivas.

Entre especialistas, há, naturalmente, gente a favor e tem a turma do contra. O que não há é entendimento. Os militantes pró-reforma ortográfica são unidos – e o mesmo se dá entre a torcida da oposição. Há apenas uma vez meio-termo, em entre aos especialistas consultados pela Gazeta do Povo: o professor de Lingüística da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Pedro Garcez. Ele salienta que não adiante ser contra nem a favor. “É fato. O acordo vai acontecer e, diante disso, a postura mais racional é refletir a respeito dos efeitos e impactos dessa unificação ortográfica”, argumenta.

Garcez enfatiza que essa padronização teve origem na tese de que a unificação da ortografia teria como efeito uma aproximação entre os países que falam e escrevem o idioma de Camões – argumento exaustivamente citado pelo time pró-acordo. Contra Mas, nessa disputa, como não poderia deixar de haver, há o outro lado: a torcida contra a reforma com as suas bandeiras e pontos de vista.

O professor de Lingüística da Unicamp Sírio Possenti, analisa que essa unificação não passa de perda de tempo. “A ortografia não vai mudar quase nada. Estão atirando com canhão em mosquito”, protesta. Possenti contesta a tese de que a reforma ortográfica vai melhorar a educação – argumento apresentado pelos simpatizantes da unificação. “O que melhora a educação é passar mais tempo estudando”, sugere.

Maria Irma Hadler Coudry, colega de Possenti no departamento de Lingüística da Unicamp, também joga no time contrário à unificação ortográfica. “É uma bobagem”, diz, referindo-se à reforma. A especialista questiona a idéia de que a unificação da ortografia provocará aumento da circulação de impressos entre os países que se comunicam em português.

“Se a meta é fazer circular livros, não precisa de reforma ortográfica, basta, obviamente, fazer os livros circular”, raciocina. Maria Irma ainda faz uma indagação: “A quem serve essa reforma? Não seria um movimento reacionário?”. O escritor mineiro radicado em São Paulo, Luiz Ruffato, autor de obras experimentais que reinventaram as possibilidades do português literário, como a série de cinco romances Inferno Provisório, endossa o ponto de vista da professora da Unicamp.

“Acho que (a reforma) foi uma decisão autoritária, de cima pra baixo, sem qualquer discussão. E como tudo o que é feito arbitrariamente, atende aos interesses de uma minoria, no caso, ao mercado editorial e a uma meia dúzia de gramáticos bem intencionados”, comenta.

Ruffato aponta que, antes do acordo, há inúmeros outros impasses e nós a serem desatados, no que diz respeito à Língua Portuguesa. “Existem problemas muito mais prementes, o escandaloso desconhecimento que temos uns dos outros, não só na literatura, mas em todos os tópicos da cultura, que deveriam ser discutidos e sanados antes”, opina.

No entanto, por mais que esse embate possa vir a ser comparado com uma final de campeonato futebolístico, o resultado, de antemão, já está acertado. O acordo, articulado desde 1986, entre a Academia Brasileira de Letras (ABL) e a Academia das Ciências de Lisboa, só depende de um canetaço. Basta o presidente Lula sancionar e, então, adeus tremas, acentos e alguns hífens. Já dá para escutar o som dos foguetes do time a favor da unificação, os campeões dessa peleja ortográfica.

Algum Efeito

O impacto no mercado editorial A unificação da ortografia da Língua Portuguesa também repercute, como não poderia deixar de repecutir, no mercado editorial. A gerente-executiva da Associação Brasileira de Editores de Livros (Abrelivros), Beatriz Grellet, entende que a reforma terá um bônus e o seu inevitável ônus. “De um lado, ampliará a circulação de livros entre os países que usam o idioma português. De outro significa trabalho para as editoras”, comenta.

Todas as 26 casas editoriais filiadas à entidade já estão adaptando as obras, sobretudo as destinadas ao ensino, para que até, no máximo, o final de 2009, todo o conteúdo já esteja de acordo com as novas regras. A Editora Positivo montou uma força-tarefa para fazer as modificações ortográficas nos 400 títulos que se destinam ao sistema de ensino e, ainda, para disponibilizar – já no segundo semestre deste ano – a edição do Aurélio, dicionário que o Positivo edita desde 2004, com as regras da unificação do idioma.

O diretor-geral da editora, Emerson Santos, afirma que ainda é cedo para analisar a reforma. “É preciso dar tempo ao tempo para constatar, na prática, o que de fato vai acontecer”, diz. A diretora editorial da Record, Luciana Villas Boas, avalia que a unificação ortográfica não passa de “tolice” e, para as editoras, prejuízo.

“Essa reforma vai provocar gastos imensos para as editoras, que terão de investir pesado nas adaptações das obras. Do ponto de vista das mudanças ortográficas, a reforma é inútil”, critica. A lingüista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)Anna Bentes defende o acordo porque, no entendimento dela, trata-se, acima de tudo, de uma questão política. “A idéia da unificação ortográfica vai garantir que livros e demais impressos venham a ter livre circulação entre os países de Língua Portuguesa, o que não acontece hoje”, afirma.

A lingüísta Rossana Finau, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), reforça o time pró-reforma.

“Além de ampliar e fomentar a circulação de material impresso, é preciso salientar que a reforma não será radical. Serão poucas as novidades ortográficas, sobretudo para nós, brasileiros”, explica.

Nesse Atletiba, ou Fla-Flu, ortográfico, o time a favor cita como exemplo o idioma espanhol que, uma vez unificado, integrou a comunidade que lê Dom Quixote no original e ainda estabeleceu facilidades para o aprendizado da língua.

“Um alemão, por exemplo, que deseja aprender português tem de decidir entre o modo português e o brasileiro, diferentemente do espanhol, que tem a ortografia unificada”, comenta a doutora em Língüística da Universidade de Brasília (UnB) Stella Bortoni. O lingüísta e professor aporesentado da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Carlos Alberto Faraco encorpa o time pró-mudanças e aponta para um benefício da reforma. “As modificações serão de fácil assimilação”, garante.

Gazeta do Povo, Curitiba, 9 jun. 2008.

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