domingo, 9 de março de 2008

Superar clichês para abordar a mulher na mídia

Notícias
08/03/2008
Ana Rita Marini*
FNDC


A passagem do Dia Internacional da Mulher (8 de março), além das comemorações alusivas, reforça a sempre necessária reflexão sobre as questões de gênero, no sentido de equalização dos direitos sociais. Do ponto de vista dos meios de comunicação, uma das tarefas mais complexas talvez seja apresentar a mulher livre dos estigmas de beleza e sensualidade, dos clichês. Para as mulheres profissionais do setor, os desafios são grandes, assim como a responsabilidade.

A forma como a mulher é tratada nos meios de comunicação, de maneira geral, reproduz a imagem que a sociedade elabora do sexo feminino. Dessa forma, o compromisso da própria profissional de comunicação na “construção” da figura feminina veiculada é fundamental.

“Embora não seja pauta no dia-a-dia das redações e algumas colegas até neguem, creio que cabe às mulheres jornalistas esse papel, fundamental, de colocar os elementos que compõem as preocupações das organizações, pesquisadoras e teóricas das questões de gênero na sociedade”, reflete a jornalista Beth Costa, editora do Jornal Nacional (TV Globo) e membro da direção da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).

Os desafios ainda são muito grandes, destaca Beth. O primeiro deles, aponta, é a sensibilização para que, cada vez mais, as mulheres nas redações assumam esse papel – desgastante, muitas vezes estereotipado e ironizado pelos próprios companheiros de trabalho. “Mas, acredito firmemente que o olhar feminino sobre as questões de gênero (como discriminações, assédios e sexual, salário menor do que o dos colegas, limitações na ascensão profissional, direitos da maternidade, violência contra a mulher, etc. etc) é fundamental e imprescindível”, reforça Beth.

Mulheres são maioria na audiência

As mulheres brasileiras compõem uma fatia majoritária das audiências da televisão (53%), do rádio (53%) e das revistas (55%), e representam 49% dos leitores de jornais, segundo dados divulgados pelo Instituto Patrícia Galvão, que fazem parte de um relatório preparado por solicitação do Comitê da Participação Brasileira na Sessão Especial da Assembléia das Nações Unidas (Pequim + 5), no ano de 2000.

Essa incidência coloca as mulheres como preocupação estratégica na formulação de conteúdos para esses meios. Contudo, a imagem que se faz do feminino, na maioria das vezes, segue o estereotipo: magra, alta, bonita, se distanciando da realidade que é diversa. “A mídia nos contempla de uma maneira muito seletiva e sempre focando o aspecto mercadológico, o emocional, as questões um pouco mais individuais, e nunca levando em conta qualquer consideração enquanto necessidade social, enquanto movimento”, analisa a psicóloga Rachel Moreno, presidente do Observatório da Mulher (entidade feminista que trabalha por políticas públicas relacionadas às questões do gênero).

...“Nem toda feiticeira é corcunda, nem toda brasileira é bunda,
meu peito não é de silicone. Não sou atriz, modelo, dançarina”...


Os versos são da música Pagu, de Rita Lee, e servem como exemplo de um modelo (imagem) não contemplado pelos grandes meios de comunicação, numa analogia que corrobora com uma realidade apontada por Rachel, quando ela diz que a mídia acaba por não considerar as diversidades femininas. “Não são debatidos os problemas que a vida contemporânea nos coloca, nem consideram que somos diversas. Somos brancas, negras, velhas, jovens, gordas, magras; e temos opiniões variadas a respeito da vida”, comenta, lamentando o modelo autoritário que resulta desta abordagem.

Mudar o imaginário

Comemorar o Dia Internacional da Mulher é um paradoxo, na opinião da jornalista Christiane Finger, editora regional do SBT no Rio Grande do Sul, âncora de um telejornal regional na emissora e coordenadora do curso de Jornalismo da PUC-RS. “Ao mesmo tempo em que a gente tem que reforçar direitos, abrir alguns espaços, parece que essa comemoração, por si só, é meio machista. Tenho sempre dúvidas de como pautar esse tema”, revela, destacando que, às vezes, as lutas se confundem. “Além de uma luta de classes, também é uma luta de gênero”, afirma Christiane. Ela destaca o perigo de o profissional embarcar em clichês como o papel da mulher, o papel da mãe, “coisas que ficam no imaginário e que acabamos reproduzindo se não estivermos atentos”, relata, lembrando do necessário cuidado para não cair para o outro lado, da “discriminação ao contrário”. Christiane revela que em sua redação, na emissora, só tem mulheres. “Eu sempre digo que é porque as mulheres conseguem cuidar de várias coisas ao mesmo tempo”, lembra.

Beth Costa reflete ainda que as profissionais da comunicação parecem desconhecer as mudanças em andamento e as conquistas das mulheres nos dias de hoje. Segundo ela, se fizermos uma pesquisa nos assuntos que são tratados diariamente pela televisão, não veremos nada do que as pesquisas já indicam: que as mulheres são maioria nas universidades, que as mulheres assumiram o papel de chefe de família em 74% dos lares, que as mulheres inclusive são maioria nas redações.

O impacto disso na construção de uma imagem diferenciada, de um olhar compreensivo e acolhedor em direção às mudanças concretas por que passam e já passaram as mulheres? “Como eu disse antes, muitas de nós temos medo ainda de sermos chamadas de feministas, quando defendemos essa visão mais apurada. Eu, por exemplo, adoro ser chamada de feminista. Isso pra mim é um elogio muito grande”, revela Beth.

É possível intervir na mudança de uma concepção de gênero estereotipada tipo: mulher magra, mulher bonita, mulher meiga, mulher alta, mulher jovem, mulher esposa, mulher gostosa... retratada na maioria das vezes pela mídia?

Para a jornalista Beth Costa, não se trata de uma tarefa fácil. Ela argumenta que mudanças de cultura levam anos para acontecer, e que, por isso, depende de cada mulher na redação estar consciente desse papel. “Podem crer, essa é uma tarefa diária e incessante, pois a todo momento a discriminação contra a mulher aparece. De uma forma mais amena ou mais violenta, sempre aparece. E cabe a nós, mulheres jornalistas, termos o olhar atento e os argumentos na ponta da língua, para disputar as mentes e os corações, primeiro dos nossos chefes e colegas, depois da sociedade”, justifica.

Uma TV comercial deve ter um comprometimento diferenciado de uma TV pública com essa questão da imagem da mulher? Beth garante que essa é uma tarefa de todas as emissoras de TV. ”Quanto a isso, sou radical. A TV pública talvez tenha mais independência e tempo pra tratar dessas questões, mas, as comerciais, por terem uma fatia maior da audiência, têm a obrigação de tratar desses assuntos, com um olhar diferenciado, feminino, sem dúvida alguma”.
Na TV Brasil, recém inaugurada, a mulher terá mais espaço, por meio da divulgação de suas produções, de suas obras, como cineastas, escritoras, diretoras de cinema, cientistas, produtoras, artistas. Fará parte da programação trabalhar a imagem da mulher valorizando-a em seus papéis múltiplos na sociedade, como profissional, como mãe. A afirmação é da presidente da nova emissora de TV pública brasileira, Tereza Cruvinel, que, garante, irá “sair um tanto dessa coisa da aparência, da valorização estética feminina, e voltar para sua produção, seu trabalho, sua energia”. Uma programação especial da TV Brasil, no mês de março, apresenta a obra de diversas mulheres brasileiras. (confira a programação).
*com a colaboração de Fabiana Reinholz

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